CAPÍTULO II

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A proteção da velha serva

Decorrida uma semana, Pecos, envolvido por uma série de compromissos
sociais e militares, não tornara a recordar-se das duas escravas que
singularmente ganhara, nem determinara suas funções.
Enquanto isso, elas aguardavam, servindo apenas em delicados serviços,
condizentes com seu conhecimento doméstico. Embora nada as diferenciasse na
maneira de proceder, a forma pela qual sentiam a situação era bem distinta.
Solimar, magnânima, resignada, sofria em silêncio, procurando dar o que possuía
de melhor a todos que a cercavam. Nalim, recalcada, orgulhosa, esforçava-se
por acalmar-se perante os que eram agora seus iguais, sem demonstrar o que lhe
ia na alma. Era como uma calmaria que precede as tempestades. A qualquer
momento esta poderia irromper, atirando-a a conseqüências imprevisíveis.
Solimar sentia o pensamento de Nalim, lastimava-lhe sinceramente a falta de
compreensão e humildade, temerosa pelo seu futuro.
As escravas mais antigas, principalmente as mais jovens, não gostaram das
novas companheiras. Sentiam ciúmes, por serem forçadas a reconhecer-lhes a
formosura. Pecos não era como a maioria dos seus contemporâneos abastados,
que mantinham relações amorosas abusivas com as escravas; repugnava-o
sobremaneira tal proceder, não por princípio moral, mas de categoria; julgava-se
superior a elas. Muitas, porém, eram vencidas pelo seu fascínio pessoal e não
perdiam as esperanças de lhe despertar um interesse amoroso mesmo que
momentâneo.
As duas moças não encontraram um ambiente sincero, mas, pessoas cheias de
ódio, inveja e recalques violentos. Suas maneiras distintas e fidalgas,
principalmente as de Nalim, haviam despertado nas outras a consciência de sua
inferioridade, e isto raramente as mulheres perdoam. Fossem elas menos bonitas
e o acolhimento teria sido mais amistoso. Esse ambiente uniu ainda mais aquelas
almas que já se estimavam. Uma grande e sincera amizade nasceu entre elas.
Jertsaida, homem de confiança de Pecos e administrador de seus domínios,
supervisionava os serviços de Cortiah, encarregada das tarefas femininas da
casa. Ela sentiu desde logo pena das duas moças. Ela compreendia, porque havia
passado pela mesma experiência, e esforçava para suavizar-lhes os momentos.
Contudo, a princípio, sua boa intenção não foi entendida pelas duas moças,
retraídas pela acolhida francamente hostil das demais. Entretanto, aos poucos,
perceberam que contavam com a sua simpatia e benevolência. Um dia Cortiah lhes dissera:

– Tenho observado os vossos serviços. Tendes mãos delicadas. Nesta casa falta a
orientação de uma dama, assim como escravas competentes para esses serviços
delicados. Falarei com o vosso valente senhor, para que vos confie uma tarefa de
acordo com vossos conhecimentos. Assim, também podereis me auxiliar nas
determinações mais difíceis.
As duas agradeceram sinceramente. Elas não possuíam nenhum conhecimento
dos serviços grosseiros e ser-lhes-ia penoso sujeitar-se a eles. Dias depois, a
ocasião fez-se sentir, quando Jertsaida a avisou de que o nobre Pecos a chamava.
Cortiah, pressurosa, foi ter com ele que a recebeu com condescendência que lhe
permitia a consciência de sua superioridade.
– Para o que me quer, meu senhor? – perguntou a escrava curvando-se.
– Preciso de ti, para um caso muito especial. Meus parentes chegam dentro de
um mês, quero remodelar tanto quanto possível as decorações domésticas,
principalmente as que foram de minha mãe, para minha prima Otias, que
passará
juntamente com meu tio a residir conosco. Recorro a ti porque como mulher,
ainda com a lembrança de tua passada posição em tua pátria, deves conhecer os
caprichos femininos. Mandarei tapeceiros e tudo o mais que se fizer necessário
para a remodelação. Espero de ti uma orientação sobre o que ficaria mais
próprio para os 18 anos de minha prima. Quanto aos aposentos de meu tio Osiat e
de meu irmão Jasar, também de regresso, eu escolherei os adornos.
– Farei tudo o que estiver ao meu alcance para bem servi-lo, meu senhor, mas
desejaria falar-vos sobre um assunto que há dias está me preocupando.
– Fala.
– Nobre Pecos, há já alguns dias trouxestes duas novas escravas e ainda não lhes
designastes os serviços a desempenhar. Por se tratar de duas mulheres que
conhecem altas posições sociais, estão a par dos pormenores que desejais,
melhor do que eu, que de há muito passei da idade dos sonhos bonitos; permiti
que elas me auxiliem na tarefa, e tenho certeza de bem servir-vos.
– Seja. Tens a minha autorização. Findo este trabalho, designarei para ela outros,
conforme se fizer necessário na ocasião. Agora vai-te e assim que idealizares
modificações, vem comunicar-me, mas sê breve, porque temos somente um mês de prazo.

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