CAPÍTULO XIV

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Lição de humildade

O relógio incansável do tempo marcou mais alguns dias após o retorno de Pecos.
Este, já perfeitamente refeito de tudo quanto sofrera, apresentara-se ao palácio e
fora reempossado no antigo cargo.
O Faraó tinha grande interesse nos conhecimentos de Pecos com referência ao
povo da Assíria. Incansável político, possuía uma rede de espionagem bem
organizada. Estava a par das últimas conquistas do bárbaro Farfah e temia um
ataque contra seu império. Pecos, com os conhecimentos adquiridos, era-lhe
precioso. Reorganizara seu poderoso exército e estava pronto para entrar em
ação se necessário.
Além de bom guerreiro, Pecos possuía um invulgar conhecimento de estratégia
militar. Desde seu regresso tornara-se ocupadíssimo. Aliás, procurava aturdir-se
cada vez mais, evitando a presença da esposa, temendo fraquejar em sua
resolução.
Naquela casa ninguém era feliz. Todos sofriam. Otias, cada vez mais ciumenta,
não sabia como livrar-se de Solimar. Certa noite, resolveu conversar com Pecos
a este respeito.
Encontrando-o a sós no grande pátio, sentou-se a seu lado e aproveitou a
oportunidade:
– O que pensas sobre o meu relacionamento com teu irmão?
Pecos olhou-a surpreso. Desde a sua chegada, percebera que eles não se
harmonizavam, o que não o surpreendera. Seu irmão possuía temperamento
oposto ao de Otias. Notara também o verdadeiro caráter da prima e sentia-se
verdadeiramente feliz por não tê-la desposado.
– Bem... eu creio que tendes tudo para serdes felizes. Até a bênção de um filho!
Ela, porém, sorriu com amargura:
– Pois embora tenhamos tudo, não o somos.
Ele, fingindo surpresa, indagou:
– Por quê?

– A princípio, não consegui compreender Jasar. Paciente, tudo fiz para agradá-lo,
inutilmente. Ele não me amava! Casou-se comigo para cumprir a promessa que
meu pai lhe arrancou às portas da morte!
– Não sejas injusta, prima. Ele tem sido bom para ti. Solícito, carinhoso... Adora
teu filho e testemunha por ti estima e respeito.
– Isto também pensava eu! Embora ele não me amasse como eu o desejava,
esta confiança em sua estima e respeito muito me sensibilizava. Entretanto, tudo
não passa de uma mentira! Simples mentira!
Otias deixara-se arrastar pelo rancor, levada pelo fio de seus pensamentos.
Pecos, apreensivo, um pouco picado pelas palavras da prima, atalhou:
– Estás insultando teu marido e meu irmão. Isto me obriga a exigir-te mais
clareza. Explica-me o porquê das tuas palavras.
Otias percebeu que fora imprudente, porém, não mais podia retroceder.
Resolutamente, continuou:
– Descobri que ele mantém relações amorosas com uma das escravas da casa.
Eles começaram antes do nosso casamento e continuam até hoje. Pecos fixou-a
assombrado! Jasar, seu irmão, tão insensível às mulheres, tão sério, tão
cumpridor dos seus deveres morais, mantendo relações vergonhosas com uma
escrava!
Incrédulo, protestou:
– Não creio! Deves estar enganada. Certamente teu ciúme é mau conselheiro.
Jasar não seria capaz de tal ação.
– Não crês? Então observa. Verás com teus próprios olhos.
– E quem é ela? – indagou curioso.
– Solimar!
O assombro de Pecos aumentou. Justamente ela! Com aquela doçura invulgar,
com toda aquela serenidade, não, não era possível!
– Otias, fazes grave acusação. Não creio em tuas palavras, repudio tua
insinuação.
– Não me recrimines, Pecos. Vou contar-te tudo como chegou ao meu
conhecimento. Depois, não te atreverás a censurar-me.
Otias contou com algum exagero todas as cenas presenciadas e ainda a palestra
que mantivera com Solias. Pecos, aborrecido, ouviu toda a narrativa calado.
Quando o silêncio se fez, ele permaneceu ainda quieto por algum tempo, depois,
ajuntou:
– Bem, como prima e cunhada, mereces meu amparo. Vou investigar tudo e se
for realmente verdade o que disseste, saberei chamar à ordem meu irmão.
Zelarei pela tua paz doméstica.
– Não creio que seja necessário falares com Jasar a respeito. Ele é muito
esquisito, o melhor seria mandar a pequena para longe... vendê-la a outrem...
Pecos, revoltado, respondeu:
– Jamais venderei um dos meus escravos. Eles são criaturas humanas e não
animais. Depois, aquela pequena é merecedora do meu reconhecimento. Jamais
esquecerei de que quando eu jazia em um leito entre a vida e a morte, era seu
rosto bondoso que vislumbrava sempre, entre um sono e outro, entre uma febre e
outra, velando pelo meu bem-estar! Suas mãos caridosas enxugavam o suor
abundante de minhas têmporas! Não prima, não esperes de mim tal ação. Otias,
surpresa, retrucou:
– Antigamente não pensavas assim. Dispunhas dos teus escravos conforme as
conveniências. Certamente a tal pequena cujo pai era feiticeiro, é dona de algum
sortilégio. É impossível que também te deixes dominar por ela!
– Não, otias. Tu não podes compreender o que sinto. Solimar possui de fato um
sortilégio que a torna querida por todos: é a bondade. É o amor que irradia de
toda a sua pessoa. Tu não podes compreender como me senti humilhado quando,
após havê-la aprisionado, escravizado, dela recebi tanta dedicação, tanto desvelo.
Tu não podes compreender!
Otias, sentindo que perdia terreno, perguntou nervosa:
– Mas, então, que achas? Se não encontro em ti o apoio e a proteção que mereço
e desejo, ir-me-ei embora desta casa! Tu a defendes e eu não posso tolerar tal
situação!
– Não, prima. Teus direitos de esposa são sagrados e se foram desvirtuados, eu te
protegerei, porém, preciso antes certificar-me da verdade. Custa-me a crer em
tanta baixeza vinda de meu irmão, tão honesto, tão sensato. Espera. Se tiveres
razão, prometo auxiliar-te, mas não venderei Solimar em hipótese alguma.

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