CAPÍTULO VIII

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Rabonat, o escravo vingativo

Na manhã seguinte, mal raiara o dia, na casa de Pecos se reiniciaram as
atividades habituais, porém, o ambiente era pesado e desconfortante. Cedo ainda,
Pecos acordara de péssimo humor. Preocupava-se pela vida da prima e também
pelo ridículo a que estava sendo objeto sofrendo os dois atentados. Ele era chefe
dos lanceiros do reino.
Vestiu-se vagarosamente, dada a fraqueza que ainda sentia. De repente, teve sua
atenção voltada para um rolo de pergaminho que estava no solo, embrulhado
com uma pedra. Febrilmente apanhou-o e leu:
“Se quiseres a nobre Otias com vida, solta Tilat dando-lhe cavalo e provisão para
uma viagem. Depois que o tivermos a salvo conosco, soltaremos a moça. Dou-te
o prazo até amanhã à noite.
Pensa bem. Se até amanhã Tilat não vier, Otias pagará.
Rabonat.”
Pecos estremeceu de ódio. A audácia daquele escravo fugido era tremenda!
Como poderia ele ter entrado na casa para atirar a mensagem, se toda a
propriedade estava guarnecida? Isto fê-lo suspeitar da cumplicidade de alguns
dos escravos da casa. Passaria a vigiá-los disfarçadamente para apanhar o
traidor. E
até já antegozava o prazer de castigá-los.
Era impossível que Rabonat sozinho consumasse o rapto – pensava ele. –
Os dois escravos que com ele haviam fugido eram seus cúmplices. Rabonat não
conhecia bem as dependências da casa, nem sua disposição. Como pudera ele
burlar a guarda? Parecia-lhe claro que algum escravo da casa o ajudara.
Resolveu ir sem demora ao palácio do Faraó para salvar Tilat. Obedeceria a
imposição de Rabonat, mas depois investigaria tudo muito bem e tendo Otias a
salvo, então empreenderia uma verdadeira caçada até trucidá-los a todos. Depois
de vestido, foi ter com Jasar, que estava no quarto de Osiat, o qual adoecera com
o choque sofrido. Pai amoroso, abalado ao máximo, não encontrava forças para
manter-se em pé. Jasar, à sua cabeceira, aplicava-se em tratá-lo fisicamente e
conhecendo a origem moral da moléstia, procurava também reanimá-lo espiritualmente.
Solimar já se encontrava também à cabeceira do velho, pois Jasar lhe solicitara
os serviços.
Ao entrar no quarto tendo às mãos o pergaminho, três olhares ansiosos voltaram-
se para ele.
– Como vai, caro tio? – perguntou.
– Não muito bem, como vês. Mas, dize-me, tens alguma notícia?
– Sim. Tranqüiliza-te. Otias está bem. Creio mesmo que amanhã estará
conosco. Rabonat capturou-a para exigir, em troca de sua liberdade, a vida e a
liberdade de seu cúmplice, Tilat. Recebi hoje este escrito dele. Vou agora ao
palácio ultimar a liberdade de Tilat.
– Como sabes que Rabonat cumprirá a palavra? – perguntou Osiat ansioso.
– Bem, caro tio, nessa contingência só nos resta correr o risco. Teremos de
confiar nele.
– Certamente cumprirá o prometido – interveio Jasar – mas, meu irmão, estás
muito fraco ainda, não podes fazer muito esforço. Será uma temeridade saírdes
de casa. Nem sequer suportas ficar muito em pé.
– Farei um esforço. Não posso ficar inativo. Só eu poderei conseguir do Faraó a
liberdade de Tilat. Viajarei em uma liteira.
– Nesse caso, irei contigo. Tio Osiat está mais refeito com a notícia e Solimar
cuidará dele até nosso regresso. Receio que te sintas mal durante o trajeto e
quero estar contigo.
Assim, pouco depois, os dois irmãos punham-se a caminho do palácio que, aliás,
era pouco distante.
O Faraó recebeu-os benevolamente. Estimava Pecos e admirava Jasar.
Convidado a expor os motivos de sua visita, Pecos decididamente contou toda a
verdade ao seu senhor e chefe.
Este o ouviu, calado e pensativo. Quando ele terminou, disse:
– Teu caso é muito delicado. Não creio seja possível libertar Tilat. Deves convir que tal liberdade iria estimular a rebeldia e as fugas de outros escravos.
– Mas... senhor – insistiu Pecos – trata-se de evitar que eles cometam outro crime
na pessoa de minha prima.
– Não posso, meu rapaz – respondeu o Faraó – seria um ato de parcialidade que
não posso cometer. Os sacerdotes me criticariam, instigando o povo. Tilat foi
cúmplice no atentado contra meu exército na pessoa de seu chefe. Desrespeitou
minha autoridade com esse ato. Não posso senão puni-lo para lavar a afronta
feita ao decoro do meu país!
Ele parou, cofiando a rala barbicha com uma das mãos, depois, ante a tristeza
manifesta dos moços, ajuntou sorrindo intencionalmente:
– Se Tilat tornasse a fugir, por exemplo, a responsabilidade não seria minha! Não
é tão difícil escapar das masmorras...
Os semblantes dos rapazes se desanuviaram. Compreendiam a alusão.
– E castigaríeis aos guardas que fossem ludibriados por Tilat na fuga?
– É claro, mas seriam faltas punitivas que ficariam a teu cargo, como chefe,
deliberar...
Os dois rapazes estavam satisfeitos. Conseguiriam seu objetivo. Quando saíram,
dirigiram-se para outra ala do palácio, onde estavam situados o forte e a
masmorra.
Jasar amparava Pecos que, devido ao enorme esforço, sentia-se sem forças para
continuar.
Chegando ao pátio interno, Pecos assentou-se em um banco para refazerse um
pouco, mas, de repente, levantou-se de um salto, lívido! Seus olhos lançavam
chispas.
Jasar, preocupado com o choque do irmão, seguiu-lhe a direção do olhar e viu a
esbelta figura de uma mulher que conversava com um dos jovens soldados. Era
Nalim. Seu riso jovial e alegre ecoou no ar, parecendo chasquear a raiva de
Pecos. O jovem par não os vira e prosseguia palestrando, protegido pela sombra
de uma árvore frondosa e amiga.
Antes que Jasar pudesse detê-lo, Pecos encaminhou-se para os dois, parando
meio oculto atrás de um arbusto para ouvir o que diziam.

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