CAPÍTULO XXIX

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O mal cobra tributo

Nalim conduziu Pecos ao seu antigo quarto, contíguo ao dela. Lá, antes de olhar
sequer o ambiente que o cercava, ele abraçou a esposa com paixão,
murmurando-lhe ao ouvido ardentemente:
– Amo-te, Nalim! Sinto que este amor é mais forte do que tudo! Ele conseguiu
vencer as trevas do esquecimento. Quando meus olhos te fitam, sinto no sangue
todo o ardor do deserto. Dize que me amas, apesar do tempo em que estive
ausente das transformações que se operaram em meu corpo e em minha mente!
Emocionada, trêmula, sentindo reviver mais forte o amor que sempre sentira
pelo marido, ela respondeu baixinho:
– Amo-te! Esperei-te sempre. Embora sem esperança de rever-te, fui-te fiel e
jamais pensei em desposar outro homem. O tempo conseguiu reavivar e
aumentar meu amor por ti. As transformações que em ti se operaram, não me
atingem desde que ainda me tens amor! Nós nos queremos, é o que importa.
Seremos felizes, jamais nos separaremos!
Emocionados, entre abraços e beijos ardentes, trocaram novas juras de amor.
Quando a emoção serenou, Pecos começou a examinar o aposento. Tudo nele
era-lhe familiar e agradável.
Nalim seguia com interesse as reações do marido.
– Lembro-me de tudo que nesta casa me cerca, principalmente este aposento.
Sinto que tudo me é familiar, mas os detalhes do passado me escapam.
– Não te preocupes. Com o tempo, com nosso carinho e dedicação, haveremos
de vencer as últimas trevas que obscurecem teu espírito. Mas isto não é tão
indispensável. Seremos felizes, mesmo que tal não aconteça. Naquela noite
serena e bela, tudo era quietude na casa de Pecos. Tudo era harmonia, mas seus
habitantes, agitados por emoções diversas, somente conseguiram conciliar o sono
pela madrugada.
No dia seguinte, toda Tebas comentava o retorno de Pecos. A notícia correra
célere. Os servos e escravos da casa encarregaram-se de divulgá-la. Uns
julgavam tratar-se de invencionices, outros acreditavam em sua veracidade, mas
todos estavam curiosos para verificar a verdade. À hora do crepúsculo, já à
frente da casa do ex-guerreiro, havia grande número de pessoas para indagar.

Muitos juntaram-se a eles, na expectativa feliz dos festejos que, certamente,
realizariam para comemorar tal acontecimento. Nervoso com o inesperado,
Pecos, sempre tão audaz, não sabia o que dizer ao povo. Pediu a Jasar que o
tirasse daquela desagradável situação. Jasar saiu ao pátio e, atravessando os
jardins, abriu os portões da rua. O
burburinho cessou. A expectativa era geral. Jasar começou:
– Agradecemos vosso interesse amigo e carinhoso. Meu irmão regressou, mas
está doente e necessita repouso. Não poderá vos falar. Quando se restabelecer,
então ele vos convidará a uma reunião festiva. Exclamações de alegria cortaram
o ar. Com mais algumas palavras de agradecimento, Jasar fechou os portões
retornando ao interior, enquanto a pequena multidão se afastava, em comentários
animados, tecendo enredos na imaginação fácil, característica comum aos
homens daquela terra. Como acontece em tais circunstâncias, em breve uma
onda de histórias diferentes, algumas disparatadas, tomava conta da cidade.
A personalidade marcante do guerreiro Pecos fora demais conhecida e admirada
para que sua gente o houvesse esquecido.
Como não poderia deixar de ser, o rumor chegou ao forte, onde a curiosidade
cresceu, principalmente dentre aqueles que o haviam conhecido pessoalmente.
Omar, naquela manhã, dirigiu-se ao palácio e ouvira na corte os rumores sobre o
reaparecimento do guerreiro Pecos.
Sobressaltado, empalideceu mortalmente. A custo conseguiu disfarçar sua
perturbação e assim que se desincumbiu da tarefa palaciana, foi pessoalmente ao
forte. Necessitava indagar a verdade. Teria Pecos retornado? Justamente agora
que o julgava já morto, depois de tantos anos?
Seu coração batia descompassado, suas mãos tremiam, as pernas fraquejavam,
refletindo o terror que lhe ia no íntimo.
Lá chegando, cuidou de investigar o caso. Dirigiu-se a uma sala que lhe era
reservada e ali procurou controlar sua exaltação.
Mas em vão. As perguntas fluíam em seu cérebro, sem resposta, ou o que é
pior, com assustadoras perspectivas.
Antes de mais nada, iria interrogar alguns soldados. Chamou seu imediato e
ordenou que trouxesse à sua presença alguns dos homens que soubessem
pormenores daqueles rumores.
Logo após, um deles penetrou respeitoso no gabinete.
Sem preâmbulos, Omar foi direto ao assunto:
– Ouvi certos rumores aqui pelo forte, sobre o reaparecimento do guerreiro
Pecos. Consta-nos que esse guerreiro há muito se foi do número dos vivos.
Necessito saber se estes rumores têm fundamento.
– Não vos posso informar com detalhes, mas soube por pessoa merecedora de
todo crédito que o nobre Pecos retornou ao lar.
Esforçando-se para dissimular a emoção, Omar tornou:
– Mas em que circunstâncias?
– Não sei ao certo. Parece-me que o nobre Pitar o encontrou cativo em cidade
distante.
– Não é possível! – bradou Omar sem poder conter-se mais. – Pecos morreu,
com certeza é um impostor que lá se encontra!
– Creio que não. Segundo sei, alguns homens do povo que muito o admiravam,
foram ao seu palácio. Queriam saber a verdade. O nobre Jasar os recebeu,
dizendo que o irmão agradecia o interesse, mas que não poderia falarlhes
naquele instante por estar adoentado. Prometia, no entanto, realizar uma festa
logo que se restabelecesse. É evidente que um irmão não deixaria de reconhecer
o outro!
Omar, sentindo aumentar seu mal-estar, despediu o soldado bruscamente,
ordenando-lhe transmitir qualquer notícia que chegasse ao seu conhecimento.
Quando se viu só, Omar deixou-se cair em um coxim, apertando a cabeça entre
as mãos.
Sua situação era terrível! Tinha vontade de correr até a casa de Pecos e verificar
a verdade, mas como poderia fazê-lo? Tal visita trar-lhe-ia complicações ainda
maiores.
Teria Pecos recobrado a memória? Era provável que sim, mas ainda que assim
não fora, sua última façanha escravizando-o, fatalmente seria descoberta. Era
fora de dúvida que Nalim não deixaria passar aquela oportunidade. Certamente
vingar-se-ia dele, instigando o marido a denunciá-lo. Pecos, por sua vez,
compreendendo quem o atingira e por que o atingira, não hesitaria em fazê-lo.

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