CAPÍTULO XXX

726 51 6
                                    

O amor venceu

A noite era linda, repleta do misterioso fascínio que somente as noites daquelas
paragens costumam possuir.
O luar magnífico, o perfume dos jardins e principalmente o amor na realização
de um sonho, enchiam a alma de Jasar de uma ventura impulsiva que o
rejuvenescia, emprestando-lhe à fisionomia sempre séria um certo ar alegre de
juventude.
De fato, ele sentia-se jovem, como se a vida não tivesse passado, como se nunca
tivesse sofrido o pesadelo daquele casamento.
Estava assim, porque decidira-se a falar com Solimar naquela noite sobre o
futuro. Esperava ansioso que ela viesse ter com ele, conforme o combinado, no
mesmo lugar onde outrora costumavam encontrar-se. Aspirava a plenos pulmões
o ar balsamizado da noite.
De súbito, ouviu passos. Solimar estava diante dele.
Não se falaram, nem era preciso. Jasar puxou-a para si, tomando-a em seus
braços, apertando-a de encontro ao coração.
Seus corações dilataram-se, cheios de imensa ternura.
Jasar, num gesto muito seu, levantou pelo queixo o pequeno rosto de Solimar que
se escondera em seu peito largo.
Queria fitar seus olhos claros e límpidos. Notou que as lágrimas deslizavamlhe
pelas faces. Perturbado, Jasar apertou-a ainda mais, murmurando ao ouvido:
– Choras? Por quê?
– Não sei...
– As lágrimas acabaram-se para ti. Desejo pedir-te que sejas minha esposa.
juntos, hei de proteger-te, cercando-te das alegrias que mereces, mas que nunca
te pude dar. Meu coração agora é livre dos compromissos, poderá dedicar-se
inteirinho à tua felicidade! Posso enfim dizer-te aquilo que adivinhavas, mas que
não te podia revelar! Eu te amo, Solimar! Um amor infinito, um amor eterno!
Um amor que já existia antes desta vida, pois que assim que te vi, te amei, Um amor que continuará existindo depois da morte, porque está gravado em nossos
espíritos e jamais poderá terminar!
A voz de Jasar vibrava ardente e comovida, cheia da convicção pura do que lhe
ia na alma.
Solimar ouvia trêmula de emoção e não podia impedir que as lágrimas lhe
rolassem pelas faces.
Mas eram lágrimas serenas. Eram lágrimas humildes de gratidão ao Criador por
aquela felicidade tão esperada. Toda ela era emoção e ternura, amor e carinho.
Agora que podiam falar livremente de seus sentimentos, começaram as
confidências de todo um passado de amor, de resignação e de dedicação. Jasar
ouvia-o enlevado. Não se cansava de fazê-la repetir quanto pensara nele quando
ausente, quanto sonhara com ele, o quanto desejara sua felicidade. E
por sua vez, contava também quanto sofrera com seu desaparecimento, sua
emoção ao revê-la.
Traçaram também planos para o futuro, comprometendo-se Jasar a visitar com
ela a propriedade que Samir lhe deixara, bem como os doentes que embora
tivessem família, necessitassem de seus cuidados, só regressando a Tebas quando
tudo estivesse resolvido.
Imperceptivelmente, haviam sentado sob a árvore como antigamente, e Jasar
passara o braço sobre os ombros de Solimar. Sua cabecinha delicada, meiga,
descansava recostada no peito forte do homem amado. Após as mútuas
confidências, Jasar beijou aqueles belos cabelos com ternura e erguei mais uma
vez o rosto ainda belo da ex-escrava. Seus olhos se encontraram. Ele não resistiu
mais, beijou-a apaixonadamente nos lábios.
Foi um beijo longo, uma permutação de sentimentos de carinho, uma felicidade
quase inatingível.
Depois, ainda abraçados, continuaram traçando planos para o futuro. Aqueles
corações que tanto haviam sofrido nas provações da vida ainda podiam encontrar
na Terra seu quinhão de felicidade. Seu amor purificara-se, consolidando-se na
pureza dos sentimentos, na sinceridade e na renúncia. Eles podiam agora ser
felizes. Seus corações eram leves, livres do peso das más ações e do remorso.
Porque o maior castigo para aquele que resvala do caminho certo, é o negror dos
próprios sentimentos. Eles muitas vezes precipitam os acontecimentos.

Omar, vítima de seus erros, castigava-se a si mesmo. Julgando-se perseguido
pelo Faraó, fugira imediatamente e naquela noite cavalgava, transportando
consigo dois jumentos carregados com parte de sua fortuna. Saíra já de Tebas e
cortava uma das estradas disfarçado em mercador. Era muito conhecido por
aquela paragens, por isso disfarçara-se muito bem. Toda a sua figura irradiava
ódio e terror. Jurava vingança tremenda contra Pecos e até contra seu próprio
rei!
Omar forjara mentalmente um plano que tornaria possível sua vingança. Iria
incógnito para as terras da Assíria. Lá, o rei Farfah certamente se interessaria em
obter seus serviços. Era ele senhor de muitos segredos militares do exército de
seu país e poderia vendê-lo a Farfah em troca de uma privilegiada posição em
sua corte e quem sabe, no futuro, se Farfah dominasse Quinit, poderia vir a ser
seu rei!
Ébrio de ambição, Omar via-se vestido de branco, com o manto sagrado dos reis
e a grã-pedra ao peito, governando todo o povo do Egito. Então, haveria de
possuir Nalim e espezinhá-la o quanto lhe agradasse. Exterminaria seu filho e o
maldito guerreiro Pecos.
Omar ia imerso em gloriosos pensamentos, mas de repente, pareceu-lhe que
uma voz dentro dele, como se um outro ser lhe falasse, o chamava de traidor.
Estremeceu... parecia-lhe a voz de sua mãe que lhe dizia:
– Traidor! Traidor! Traíste os amigos, o posto que ocupaste e o teu país. Abusaste
da confiança que depositaram em ti. Foste o único a trair e ainda pensas em
vingança contra os que atingiste. Pensa, Omar, procura modificar teus
pensamentos, pois que a cada momento poderás ser chamado a prestar contas
em um reino que não é dos homens!
Sempre cavalgando, Omar sentiu um suor frio invadir-lhe o corpo, apesar do
calor, cansaço e da excitação da fuga.
– Estou esgotado – pensou. – Com certeza é por isto que julgo ouvir vozes.
Necessito repousar um pouco antes de começar a atravessar o deserto. No
momento, porém, que se dispunha a escolher um local abrigado para dormir,
sentiu que algo caía sobre ele, ao mesmo tempo que uma lâmina fria lhe rasgava
as carnes.
Sua cabeça atordoou-se, mas ainda pôde ouvir que alguém dizia ofegante:
– Acertei em cheio! Agora, rápido, cuidemos do mais importante. Depois perdeu a noção das coisas.

O Amor VenceuOnde histórias criam vida. Descubra agora