CAPÍTULO XXIV

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A visão

Na tarde do dia seguinte, Solimar e Nalim conversavam. Nalim aguardava
impacientemente a chegada do filho.
Sinat veio também sentar-se junto delas, e seu coração alvoroçado
descompassava-se a cada ruído, demonstrando a impaciência com que esperava
o regresso do rapaz, bem como a emoção profunda que esse acontecimento lhe
causava.
As duas mulheres, entregues a animada palestra, não perceberam o alvoroço da
jovem.
Ao cabo de certo tempo, os portões principais abriram-se, e um cavaleiro entrou.
Imediatamente Nalim levantou-se, murmurando:
– É ele, por fim!
Solimar olhou para Sinat, que com as faces ruborizadas pela emoção, não
conseguiu ocultar seus sentimentos e sorriu.
Impaciente por chegar, Pitar esporeou o animal. Vendo-as no pátio, parou e
saltando ao chão agilmente, correu a abraçar sua mãe.
A cena doméstica, terna, singela, tocou fundo o coração amante de Solimar.

Aquele belo e elegante rapaz, de traços nobres, negros olhos, negros e revoltosos
cabelos impressionava.
Após beijar a mãe, abraçou Sinat afetuosamente e havia em seu olhar uma
chama apaixonada que não escapou à argúcia de Solimar.
Por fim, vendo-a, inclinou-se sorridente, murmurando delicado:
– Desculpai, nobre senhora. Tantas saudades trazia que não notei vossa augusta
presença.
– Meu filho, esta senhora é uma velha amiga nossa e creio que já a conheces de
nome. Eis a Solimar de quem tanto temos falado. Surpreendido, algo curioso,
Pitar contemplou-a por alguns segundos. A serena meiguice que irradiava da bela
fisionomia daquela mulher falou-lhe ao coração. Sentia como se sempre a
houvesse conhecido.
Foi, pois, com grande e sincero prazer que a abraçou dizendo:
– Conhecia através de tio Jasar e de minha mãe a beleza do vosso espírito.
Conheço agora a beleza do vosso rosto. Sentir-me-ei feliz se dispensar-me a
mesma estima que dispensais aos meus!
Pelo olhar límpido de Solimar passou um lampejo de emoção. A franqueza e
sinceridade existentes em Pitar eram irresistíveis.
Solimar compreendeu que ele possuía a mesma fascinação irradiante do pai. –
Sou-te muito grata pela gentil acolhida. Quisera mesmo vir a ser tua amiga.
Quanto a minha estima, creio que independente da amizade que me une a tua
família, já a conquistaste.
Agradavelmente reunidos, sentaram-se, e Nalim pediu ao filho que contasse tudo
quanto fizera fora de casa. Depois, por sua vez, narrou-lhe as notícias trazidas por
Solimar.
Emocionado, Pitar escutou calado até o fim.
Nalim jamais contara ao filho as suspeitas e o motivo real pelo qual odiava
Omar. Conhecendo o temperamento orgulhoso e arrebatado do rapaz, receara
criar-lhe dificuldades no exército, uma vez que Omar era seu comandante. Mas
agora a situação modificara-se.
Com o coração angustiado, não pôde esconder do filho suas suspeitas. Narrou-lhe
também parte do passado, o persistente e perigoso amor que Omar lhe devotara.

Revoltado, Pitar prometeu à sua mãe dedicar-se inteiramente às pesquisas, não
tendo outro objetivo na vida senão descobrir o que fora feito de seu pai. Quando o
perdera, era ainda um menino e conservava dele a mais cara lembrança. Ele
fora sempre, para sua exaltação juvenil, um herói, um bom e grande homem.
Amava-o. Respeitava-o. A crença de que ele tivesse sido vítima de uma trama
tão repugnante, revoltava-lhe a alma naturalmente nobre e generosa.
Nalim dizia:
– Deves ir conversar com tio Jasar. Ele espera-te. Deseja traçar contigo uma
diretriz para o início das diligências.
O rapaz levantou-se imediatamente. Curvando-se frente às mulheres:
– Vou ter com ele. Sinto-me ansioso por ouvir-lhe a opinião. Sem mesmo mudar
o traje empoeirado da viagem, Pitar a passos rápidos encaminhou-se para o
gabinete do tio.
Nalim, por sua vez, retirou-se a fim de providenciar sobre a bagagem do rapaz e
diligenciar tudo a seu gosto.
Solimar, a sós com Sinat, passou-lhe o braço pelos ombros carinhosamente,
quando perguntou:
– Ele sabe que é amado?
Sobressaltada, Sinat corou sem saber o que dizer. Mas vencida pela ternura da voz
de Solimar, respondeu:
– Não. Nem sequer posso pensar em tal! Ele me quer como a uma irmã. Depois,
senhora, apesar de todos me tratarem com carinho e consideração, sabeis que
sou pobre e de origem humilde. Jamais poderei imaginar que esse amor um dia
venha a tornar-se um direito. Não levanto meus olhos para o alto! Apenas não
posso resistir a este sentimento que tomou conta de mim. Faço tudo para ocultálo,
mas penso que nem sempre com êxito.
– Querida filha, és nobre e desinteressada. Sabes amar, mereces ser feliz. Quem
sabe ainda não o serás com o homem amado?
Sinat suspirou resignada e murmurou:
– Não, não conservo ilusões. A nobre senhora que me acolheu coloca muito alto a
hierarquia da nobreza. Já me conformei em não sonhar o impossível. Solimar calou-se. Sabia que Sinat em parte tinha razão. Nalim nesse ponto sempre fora
intransigente.
Comovida com a bondade da jovem, Solimar intimamente resolveu ajudá-la a
realizar seus sonhos.
Investigaria o assunto. Se Pitar também a amasse, como entrevira em seu olhar,
ela removeria as barreiras que Nalim eventualmente erguesse. Sinat seria a
esposa terna, bondosa e honesta, possuindo beleza de corpo e de espírito capazes
de tornar venturoso quem a desposasse. Sentaram-se as duas novamente, ficando
desta vez cada uma imersa em seus próprios pensamentos.
Pitar, por sua vez, já abraçara o tio e em seu gabinete conversavam sobre o
assunto que os preocupava.
Parecia-lhe difícil, realmente, descobrir alguma pista. Seguir os passos de Omar
teria sido excelente medida, mas na ocasião em que Nalim ouvira o chamado
angustioso de Pecos. Agora, depois de tantos anos, de nada lhes serviria.
Falar-lhe sobre o assunto, obrigá-lo pela força a uma confissão, como desejava
Pitar em sua impaciência, seria uma temeridade inútil. Omar era uma potência
político-militar. Realmente eles estavam frente a um dilema. Que fazer?
Conversaram durante longo tempo, mas nada de positivo resolveram. O
tempo decorrido dificultava-lhes a ação.
Entretanto, nem por um instante pensaram em abandonar o caso. Agora que
conheciam parte de uma verdade tão dolorosa, não descansariam enquanto não
descobrissem tudo.
Por fim, Pitar resolveu que logo na manhã seguinte iria ao forte e lá
procuraria investigar o assunto disfarçadamente.
Eram muitos os soldados, mas quem sabe se o acaso os ajudaria?
Procuraria palestrar com os que já estavam lá na ocasião em que suspeitavam
ter sido Pecos preso.
Esperançoso, com esta decisão, Pitar saiu dos aposentos do tio, podendo enfim
mudar suas roupas e preparar-se para o agradável jantar com a família. Na
manhã seguinte, Pitar saiu cedo rumo ao forte. Solimar viu-o esperançoso.
Gostava de levantar-se cedo e aspirava com real prazer o aroma agradável dos jardins floridos.
Jasar, vendo-a, dirigiu-se alegre ao seu encontro, dizendo:
– Madrugaste. Como passaste a noite?
– Oh! Muito bem. Apenas um pouco preocupada. Deixei alguns doentes aos
cuidados de pessoas amigas, mas sinto que talvez necessitem de mim.
– Estou certo disso, mas naturalmente estarão bem cuidados.
– Jasar – perguntou Solimar após ligeira hesitação – Otias sabe que estou aqui? –
Sim. Contei-lhe logo no primeiro dia.
Solimar calou-se pensativa.
Ela sempre receara voltar por causa do ciúme de Otias. Não desejava empanar
sua paz doméstica. Mas havia ainda um motivo mais constrangedor: o crime que
certamente pesaria na consciência daquela mulher e que sua presença
forçosamente a faria recordar.
Solimar sabia toda a verdade. Conhecera-a através da longa convivência com o
infeliz Solias durante a sua moléstia, que acompanhara até o derradeiro instante,
tendo ele recuperado alguma lucidez na hora extrema. Nobremente, guardava
consigo este segredo, não querendo revelá-lo a Jasar e a sua família.
Otias, vítima de indizível tragédia, sofria o resultado do caminho que escolhera. A
vida já a justiçara. Teria ela, Solimar, o direito de perturbá-la ainda mais com
sua presença?
Apesar do que ela lhe fizera, não lhe guardara rancor. Em seu coração só
havia sincera compaixão. Desejaria ajudá-la, como amiga, como enfermeira,
como irmã. Mas ainda não tivera coragem de ir vê-la. Não desejava entristecê-
la, mas ajudá-la!
Vendo-a pensativa e triste, Jasar perguntou:
– Por que estás triste? Acaso não te sentes feliz entre nós?
Solimar levantou para ele seus belos olhos verdes, sinceros e úmidos.
– Sabes que viver aqui para sempre seria para mim a suprema ventura. Mas não
posso evitar de pensar em tua esposa e lamentar a tragédia de que foi vítima.

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