Lady Norfolk

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- Por que nunca viajámos pra cá? - Taylor questionava sonolenta nos braços da irmã enquanto dava o dedo do meio para seu irmão que não parava de caçoa-la por ter pedido o colo da maior, tamanho a sua altura e idade 
- Porque tem muitas recordações do papa - Lauren explicou com calma enquanto descia com cuidado a escada do jatinho e procurava o carro que pedira, nas redondezas da grande pista de aviação, perdida em meio ao vasto campo 
- Isso não é bom? - questionou novamente 
- Nem sempre, Tay 
- Ali - Chris apontou para um carro que cruzava solitário a pista 
Lauren apertou os olhos por estar contrária ao sol das seis da matina e conseguiu visualizar o Aston Martin Rapide azul claro do pai se aproximando. Dele, Wagner Schneider, antigo caseiro do castelo, pulou e sorriu simpático para os patrões que não via há quase 10 anos 
- Lady Norfolk! - fez uma breve reverência de cabeça a duquesa de Arundel que corou violentamente 
Lauren detestava esse maldito título 
- Como vai Wagner? - cumprimentou o alemão velho de maneira educada, com um forte aperto de mãos - É bom estar em casa - sorriu aos poucos 
Era mesmo bom, voltar pra casa.
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Enquanto todos dormiam, o que não fizeram muito pela noite agitada, Lauren tomou um banho, vestiu-se e sem se detalhar muito naquela casa repleta de memórias de tempos felizes, saiu em direção aos estábulos.
Babou um pouco os três cavalos, que da grande linhagem de Máximos sobraram, e tomou a cela de Tristan para si, o montando e o fazendo galopar pela lateral daquele enorme castelo medieval.
Vagou pelos campos verdes e silenciosos sozinha, se deliciando com a sensação libertadora e poderosa de cavalgar novamente o seu garanhão Friesian. Mesmo com o início de dezembro, que trazia o começo do inverno, o frio não era cortante, era até mesmo agradável. Os campos permaneciam verdes e o céu nublado.
Lauren sabia que depois da longa campina, ao leste do castelo, ela estava lá. Construída em invernos como esse. Regada de risadas altas. Amor. Carinho. Respeito. Saudade.
Sabia que embora velha e abandonada, ela estava lá. Guardando memórias, segredos, amores. 
Era o melhor lugar, em todo o universo, para recomeçar. E era pra lá, que ela cavalgava com força e determinação
Para o fim de seus tormentos
Vinte minutos em um galope apressado lhe levaram diante ela, e a mulher sorriu ao fitar a pequena cabana que fora construída por ela, seu irmão e seu pai. Em dias melhores, de bons e felizes tempos. Apeou de Trsitan, sem antes jogar o saco que trazia consigo no chão, e caminhou com as rédeas do enorme cavalo nas mãos até amarra-lo em uma árvore qualquer 
Fitou o velho local com calma, se demorando naquela casa tão pequena, perdida propositalmente em meio ao nada. A relva crescera alta ao longo de quase 10 anos de abandono. Cravos e Ciclames cresciam coloridos e exuberantes até onde a vista podia alcançar, adornando tudo. A cabana, parecia judiada pelo tempo, as madeiras que a construíam, aparentavam fragilidade. A grande Faia continuava a sua lateral, forte e imponente, as raízes enormes e profundas adentrando a terra com força. Em um de seus galhos, uma tábua presa por duas cordas tremulava ao vento fraco. O balanço que Lauren construirá para Taylor. 
Facilmente podia voltar a ver cada experiência vivida ali. Os dias montando aquela cabana, as noites de acampamento ali, os fins de tarde brincando em meio a relva, os primeiros passos de uma bebê gordinha e sapeca naquele lugar. A gargalhada alta de Michael. A pescaria aos sábados. A fogueira na tarde de domingo. O café da manhã sentados lá fora. Felicidade e proteção. Amor em cada canto.
Eles haviam sido muito felizes ali.
Lauren caminhou até a cabana com calma, levando consigo o saco que trouxera. A porta foi aberta sem nenhuma dificuldade e ela fitou a velha, escassa e empoeirada mobília do local. Só restara as lembranças. 
Se permitiu senta-se no chão sujo da sala, respirar fundo e com a recém descoberta coragem que lhe fora dada, lembrar detalhadamente, de todo o seu passado
Aquela seria a última vez que Lauren, jogada no chão imundo daquele lugar que outrora lhe fizera muito feliz, chorou toda a dor que sentira ao longo da vida.
Era um recomeço.
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O único barulho audível era o som da pá movendo a areia molhada com força e rapidez. Lauren cavava um buraco não muito fundo, abaixo do antigo balanço que agora jazia amarrado na lateral da grande Faia. Sua cabeça doía um pouco por todo o choro, mas seu peito, desconhecia a presença de qualquer dor. 
Quando se deu por satisfeita do tamanho cavado, jogou a velha pá de lado e agarrou o saco que guardava a velha caixinha de madeira. Antes de enterra-la, juntos com tudo aquilo que lembrava seu passado, a britânica agarrou o velho canivete que trazia em seu cinto desde a saída do castelo e fez na madeira da caixinha, quatro letras, como forma de agradecimento á aquela que lhe dera a coragem e o amor restantes para enterrar seu passado 
Não abriu a caixinha, só depositou-la cuidadosamente sobre a areia e se empenhou a jogar com o auxílio da pá, punhados de terra em cima da mesma
A última coisa que viu dela, antes de ser completamente enterrada, foi o nome que escrevera em letras grandes.
Camz
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Os pingos de chuva caiam singelamente sobre sua face
O galope forte e rápido de Tristan a fazia se sentir livre
O cheiro da terra e relva molhadas a lembravam que estava em casa
O vento em seus cabelos lhe dizia que ela estava livre
Livre
Sem dor alguma, tudo que restara de quem fora, estava morto e enterrado. Ela podia finalmente ser quem ela havia sido durante esses anos, quem ela era, quem amava ser. Sem a dor daquele inferno na adolescência vivido. Livre
E embora o medo de perder Dinah cavalgasse junto a si, naquele minuto, Lauren o mandou embora
Ela estava livre.
Liberta de tudo.
Soltou as rédeas do lindo e negro animal e abriu os braços, erguendo os olhos para o céu 
- Livre! - gritou a pleno pulmões em meio a campina e em seguida, caiu numa gargalhada alta, feliz 
L-I-V-R-E 
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O corpo alto e rechonchudo se encontrava de costas para si. A voz séria brandava ordens com imparcialidade aos demais presentes. Os cabelos loiros ainda eram presos em duas tranças que formavam um coque em sua cabeça. Ela nunca mudaria
Helga Schneider estava uma pilha de nervos aquela manhã, não que isso fosse coisa nova, a governanta alemã sempre estava assim. Mas, naquela manhã de segunda-feira, a família Norfolk simplesmente decidira aparecer, literalmente da noite para o dia, com um simples telefonema depois de 9 anos e 6 meses de sumiço. 
E lá estavam eles, dormindo confortavelmente em seus quartos nobres, esperando pelo almoço que logo sairia, sem preparo algum já quê haviam aparecido de supetão. Em meio a sua fúria, misturada com desespero de satisfazer seus patrões, a alemã nem notou quando a velha porta da cozinha foi aberta e uma criatura se aproximou encharcada, com um mesmo sorriso arteiro que ostentava desde muito menina
- Helguinha! - berrou, agarrando a cintura da mulher e a girando no ar
Os gritos de Helga, poderiam ser ouvidos desde o vilarejo até as terras do castelo 
- Oh! Oh! Lady Norfolk! - exclamou quando Lauren a soltou, sorrindo grande - Isso não são modos! Será que nunca vai aprender vossa graça?! - ralhou severa enquanto a maior somente dava gargalhadas - E onde esteve?! Veja sua roupa! Deus do céu, menina Lauren! Você continua uma criança!
Lauren apenas agarrou o rosto carrancudo e amado, deixando um beijo longo e propositalmente babado na bochecha de Helga, antes de sair correndo pela cozinha ouvindo as risadas dos outros empregados que ela sequer conhecia ou lembrava. 
Enquanto subia as escadas rindo, podia ouvir as reclamações da alemã furiosa com o comportamento inadequado da duquesa de Arundel.
Estava mesmo, em casa, depois de muito tempo.
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- Certo Helga, certo - Lauren tentava enquanto caminhava com Taylor em direção a garagem e a governanta seguia atrás das duas repassando as mesmas recomendações dadas três minutos atrás
- E não deixe a Sra. Lewis lhe enganar não! Aqueles camarões não são frescos! Pegue apenas os salmões milady... Ah! O Sr. Robinson vai lhe entregar alecrins a mais porque da última vez deixei pago! E...
- Já entendi Helguinha, não se preocupe! Daqui a pouco estaremos aqui! - a mulher mais alta falou, apertando mais a mão de Taylor para que a menina se apresasse
Finalmente, Helga as deixou em paz e Lauren direcionou a garotinha, que saltitava feliz, até a garagem do castelo
- Por que ela é assim? - Taylor perguntou achando graça
- Assim como, Bunny?
- Não sei, assim, brava e brigona
Lauren riu alto
- Acho que ela sempre foi assim mas... Teve pelo menos 16 invernos com dois pestinhas tocando o terror perto dela - a maior brincou e Taylor riu adorávelmente
Entraram na garagem sorrindo felizes e a menininha fitou quatro carros parados lá, dois com capas os cobrindo. Mesmo sem ser dito, ela sabia que eram os carros do seu papa, o qual, ela não lembrava-se de ter conhecido
Lauren sorriu ao soltar a mão dela e caminhou contente até um dos carros, se dedicando a tirar a capa específica para carros, dele e revelar um estonteante e antigo Ford Mustang azul e conversível
Taylor sorriu impressionada para a irmã
- Bem vinda a 1967 - a maior saudou de brincadeira, abrindo a porta do antigo veículo.
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Here Comes the SunOnde histórias criam vida. Descubra agora