Gritos em um corredor branco

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Havia algo a mais, ela sabia
A princípio, um zumbido estranhamente conhecido soava no fundo de sua mente. Posterior a ele, um peso a mais sobre si, o qual ela sabia que não lhe pertencia
Forçou-se a abrir os olhos e fitou o rosto doce a sua frente, dormindo serenamente. Suas lindas sobrancelhas levemente contraídas, em dúvida.
Desceu o olhar até achar a explicação completa para o peso a mais sobre si. Camila estava deitada, completamente, em seu corpo. As perninhas esparramadas nas suas laterais, o tronco sobre o seu e o rostinho pregado junto ao seio da loira que estava ao lado.
Foi impossível que a britânica não sorrisse pela fofura do momento, mesmo que não soubesse como a bebê chegara ali, já quê, ao dormir, Camila estava ao lado Dinah, oposto ao seu.
Acariciou os cabelos castanhos espalhados por seu pescoço com cuidado e ouviu resmungos manhosos em troca. Até o mesmo zumbido soar
Lentamente, Lauren agarrou seu celular na lateral do colchão, se certificando que de fato, era ele o barulhento.
Na tela, o relógio digital indicava ser 02:15 da manhã de sexta feira e um "38,7°" brilhava na tela
A mulher se esforçou para entender a explicação de tal número em seu celular, atordoada pelo sono. Até ligar os pontos.
Lembrou-se de relance, que aquela temperatura era proviniente do aplicativo que baixara mais cedo, este mesmo, ligava a pulseira termômetro que estava no braço de Camila e caso houvesse aumento da temperatura ele lhe informaria...
Lauren apenas olhou novamente o número na tela e só então, surtou de preocupação
- Merda! - xingou se erguendo com a bebê
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O Jaguar EPACE corria desenfreado pelas ruas silenciosas naquela madrugada em Manhattan. A falha de algumas luzes, acentuava o negro do belo carro. Atrás de seu volante, Lauren Jauregui tremia incontrolável, um milhão de possibilidades passando em sua mente de maneira rápida. Não. Camila ia ficar bem, tinha que ficar. Era só uma febre e iria passar. Iria passar.
Pisava fundo no acelerador em direção ao pronto socorro mais próximo, a mão livre no joelho de sua esposa que chorava com a pequena garotinha nos braços, sentadas no banco de trás.
Camila delirava próxima aos 40° de uma febre incontrolável, seu corpinho pequeno tremia pelo frio que lhe acometia, enquanto Dinah chorava compulsivamente no banco de trás, se culpando pelo estado da sua bebê. Na frente, Lauren se dividia entre seus medos, ser a pessoa responsável ali e fazer as coisas ficarem bem, pois era responsabilidade dela, sempre era.
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As lágrimas desciam sem controle algum enquanto ela via Camila se contorcer sobre a cama branca do Presbyterian Lower Manhattan Hospital. Uma enfermeira e um jovem médico a cercavam e mediam sua temperatura, enquanto a bebê soava e soltava palavrinhas baixas, irreconhecíveis
Lauren não estava ali para lhe sustentar, para lhe amparar e ser a pessoa responsável, ela ficara lá fora preenchendo a papelada obrigatória
- Qual foi o antitérmico que ela tomou Sra. Jauregui? - o Dr. Andrew a perguntou com a face séria
Dinah apenas o olhou sem expressão, parada num canto do elegante quarto particular daquele hospital. Ela permaneceu estática, incapaz de fazer outra coisa
- Eu... Eu... Dipirona - se obrigou a sussurrar
- Há muito tempo? - o médico voltou a perguntar
- Uma hora no máximo - a voz rouca soou alta pelo quarto, firme e forte
- A senhora é...? - foi a vez da enfermeira rechonchuda, perguntar de maneira acusatória
- Mãe - Lauren foi categórica ao falar - Qual remédio a vai dar? - questionou dando ao jovem médico, aquele seu olhar penetrante, desconcertante
- Hãm... Diafagran - Dr. Andrew hesitou notoriamente, envergonhado pelos olhares de Lauren
A britânica apenas concordou com a cabeça, séria
- Quanto ela pesa? - a enfermeira questionou preparando a seringa
- 29, talvez 30 - Lauren voltou a responder, indo até sua esposa, a qual lhe abraçou com força, enterrando a cabeça em seu peito forte, enquanto ainda fitava a bebê
As duas assistiram a enfermeira segurar os bracinhos finos enquanto o médico aplicava o antitérmico
- Vai ceder rápido - Dr. Andrew informou - Monitore tudo muito de perto por favor Mary, e qualquer coisa bastam me chamar. Volto logo - o homem instruiu a enfermeira e se despediu das duas mulheres meio envergonhado, graças a Lauren
A enfermeira, Mary, ainda ficou ali por mais alguns minutos e então as fitou estáticas no quarto
- Ela vai ficar bem, vai sim - soltou de maneira doce - A febre vai começar a ceder e é normal que ela delire até chore um pouco, certo? - explicou as duas que só concordaram mudas - Só apertar o botão e estarei aqui
- Obrigada, enfermeira Mary - Lauren soou gentil
- Por nada, Sra. Jauregui.
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Os olhinhos castanhos se abriram vagarosamente, e voltaram a se fechar tão rapidamente quanto. O simples ato fez a loira se sobressaltar sobre a cama e sentar-se ao lado da menininha
- Jay... - o sussurro da menor foi audível por todo o quarto - Jay... Dodói... Jay... - voltou a chamar, abrindo e fechando os lindos olhos
- Mila? - Dinah tocou o pequeno ombro com cuidado 
- Ela está delirando, Dinah - a voz forte se fez presente, fazendo Dinah lembra-se da figura séria na poltrona de canto do quarto hospitalar. Virou-se dando de cara com os olhos verdes, seriamente abalados. Havia dor em seu olhar, notoriamente
Pronta para questiona-la o porquê, estava a loira, até que a menininha se prontificou mais uma vez, desta, com palavras quase choradas 
- Casa... Quelo i pa casa... - choramingou tentanto agarrar o nada - Jay... Titia... - voltou a chamar na incerteza do puro delírio - Tá dodói... Mamãe...
- Isso é... Normal? - a voz doce de Dinah soou confusa, quase magoada
- É - a inglesa confirmou respirando fundo ainda em seu lugar, Camila fora medicada a menos de 20 minutos e graças a Deus, todo o suor e os delírios que saiam do pequeno corpo, eram os sinais mais autênticos da febre indo por vez  - A febre está indo embora - explicou calmamente 
Pelos minutos seguintes, assistiram Camila se contorcer e choramingar na cama de maneira dolorosa, fazendo lágrimas voltarem aos olhos de Dinah Jauregui 
Um grito de dor escapou da bebê, e ambas mulheres, só então, ficaram em alerta 
- Naum! Naum! - Camila gritava alto - Menininho naum! Naum quelo! Pufavô! Naum! Dexa eu, dexa... Dodói! Mamãe! Mamãe! - berrava em meio ao choro 
- Lauren! - Dinah gritou em prantos, assustada demais para fazer algo
A mais velha pulou de sua poltrona com agilidade e cruzou o quarto, se ajoelhando ao lado da cama e pegando a bebê pelos ombros 
 - Camz... Camz - chamou a sacudindo brevemente - Camila! - gritou, tão assustada quanto sua esposa 
- Menininho naum! Menininho! Dodói! - berrava com os olhinhos fechados com força 
- Chama alguém, Dinah! - Lauren gritou novamente 
E enquanto Dinah corria para apertar o botão lateral na cama, a britânica agarrava a pequena menina em seus braços, a ninando contra seu peito forte
- Shhhh.... Tudo bem, tudo bem Camz... - sussurrou no ouvido pequeno enquanto a balançava junto a si, sentindo o calor poderoso emanar para si vindo de Camila - Está tudo bem, você está bem, não é menininho, não é - confirmava, a voz rouca embargada 
Devagar, o chorou foi diminuindo até ao fim chegar. Diferente do choro das mais velhas ali 
Dinah se encontrava parada, diante a cama, sem controlar as lágrimas ou a dor de ouvir e ver tudo aquilo. Lauren chorava abraçada a menina, de costas para sua esposa, sem permitir que ela visse a sua própria dor misturada a da garotinha 
Os olhinhos castanhos se abriram desfocados e fitaram Lauren, que tratou de esconder seu choro o mais rápido possível 
- Quem Mila é? É Canila ou Canelom? - perguntou se referindo ao nome dado por seus infernais tios a ela, Cameron 
Se havia algo intacto no coração de Lauren, acabara de ser destruído
Aquela criança, aquele bebê, nem sequer sabia quem era. A troco de quê, podiam ter-lhe feito isto? Que mal alguém tão pura e doce, teria feito para merecer?
Qual o tamanho da angustia que deveria existir naquele peito tão pequeno? Ela não sabia quem era, seu nome ou seu gênero, ela nem sequer sabia a quem pertencia, de onde viera, para onde ia 
Qual seria o tamanho das suas dúvidas? O quão sufocante era, conviver com elas? Como poderia ela, entender tudo isso, se mal sabe quem é?
- Você? - questionou sorrindo doce embora as lágrimas banhassem seu rosto sem ela ter opções de segura-las - Você é quem você quiser ser - a garantiu - Quem você quer ser, Camz? 
Camila a olhou intensamente, confiando plenamente naquela mulher que chorava a sua frente, sem a bebê entender o porque 
- Eu? - perguntou baixinho, lágrimas nos olhos castanhos. E então, sorriu - Camila - disse num sussurro 
Lauren riu fraco 
- Então você é Camila, a menina mais linda, doce e corajosa que existe - a garantiu, fitando os olhinhos que refletiam os seus 
A menina lhe abraçou com força, toda a força que havia em seus pequenos braços, toda a força que havia em seu forte coração.
Lauren acabara de lhe dar a certeza que ela precisava para viver. 
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Dinah piscou os olhos e ergueu a cabeça dolorida, algo a tirara de seu sono já leve pelos acontecimentos da noite
Fitou a bebê em seus braços que dormia tranquila, tomando soro na veia e sem febre alguma, sorrindo entre os sonhos infantis
Ouviu alguém respirando alto, ou tentando. Os olhos castanhos procuram a figura alta no quarto e para sua completa surpresa ela não estava ali.
Se desprendeu da bebê com cuidado e caminhou receiosa até a varanda do quarto, vendo uma figura de costas, diante do nascer do dia que desabrochava no azul claro, rosa e amarelo
- Lolo? - perguntou estranhando
Só então, olhos verdes se voltaram a si. Vidrados, lacrimejantes, perturbados.
Lauren respirava com dificuldade, uma das mãos fortes sobre o peito e a bela face retorcida de dor
Foi só o tempo de Dinah abrir a porta da varanda, que sua esposa, correu desenfreada para fora do quarto
- Lauren! Lauren! - a loira tentou acompanha-la saindo do apartamento hospitalar
A única coisa visível era o cabelo negro chicoteado ao vento enquanto Lauren corria pelo corredor branco
- LAUREN!
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Here Comes the SunOnde histórias criam vida. Descubra agora