- E agora Mona? O que você vai fazer?
Seguia o Rô sentando do meu lado no sofá de sua casa.
O quarto/sala tem livros empilhados em alguns cantos, todos eles harmonizados com quadros e gravuras, imitações de grandes obras, alguns artesanatos e retratos de família.
O cheiro é de incenso que varia de acordo com o humor do dono. Hoje é mirra, pois estávamos precisando de uma intervenção divina. Pelo menos eu me sentia entre a cruz e a espada.
O Roque tentava entender o que eu sentia, mas não compreendia a minha relutância. Ele sabia da história, de toda ela.
Contei a ele tudo que tinha se passado e em nenhum mome
nto ele me julgou ou questionou as minhas ações ou a dos outros.
Ele apenas me ouviu e perguntou o que eu queria.
"Paz, eu respondi, eu queria paz."
No entanto, ele achava que eu estava me martirizando, exagerando na dose, que deveria deixar as coisas fluírem, ao sabor do vento.
"Tipo: me deixar seguir como um barquinho em uma tempestade."
Não queria dar a ONG assim, de mão beijada ao Pepê e ao Douglas. Não queria perder mais um filho meu para ele.
Depois daquele dia, percebi que tinha perdido muito mais de minha vida do que meu filho.
A minha liberdade de fazer o que quero em relação ao grupo que dediquei boa parte de minha vida, também tinha sido perdida. De alguma forma, sinto que algumas decisões, desde a implantação da ONG Macaco, estava de alguma forma associada às ações do Pepê. Não sabia como ainda, mas descobriria.De certo que dinheiro faria diferença, mas estava ajeitando bem as coisas, conseguindo equilibrar o orçamento e vivendo de doações. Mas o cerco estava se fechando, eu sabia quem estava orquestrando isso, poderia denunciar, colocar a "boca no trombone" contudo, quem me ouviria?
Eles tinham o poder e eu não.Engraçado, é isso que ele chama de redenção?
Sua última tacada foi tirar um dos últimos recursos financeiros e há duas semanas recebemos aviso de corte dos serviços de luz da sede da ONG. Como ele conseguiu isso? Através do Ministério Público (MP) que pediu a revisão de alguns contratos da Prefeitura com várias entidades e o nosso foi um deles.
Os contratos foram suspensos e o nosso que estava sendo desfeito não recebeu a última parcela do estado. Tinha esperança do seu restabelecimento, mas depois que a MP... Puxa, MP, promotores.. O Diabo estava maquinando... executando e estava dando certo.As mães estavam me questionando sobre os destino de suas crianças no período que eles não estavam na escola, supostamente elas deveriam estar na ONG. Não aguentava ficar na ponta, assim, fugi para a casa do meu amigo.
Suspirei e olhei para o Rô. Não vou chorar mais.
O dia que encontrei aquele homem foi o último dia que chorei.- Não sei... ainda tem a porra do negócio da Gaby!
Ele ficou em silêncio e disse bem baixo.
- Você deveria aceitar...
- Meu Deus, você não percebe que é isso que ele quer, que é isso que eles sempre quiseram?
- Eu sei, Jane...
Levantei com tom de desespero.
- Isso é admitir que ele conseguiu... Conseguiu mostrar que dinheiro fala mais alto do que ser honesto... que estar no poder custe o que custar, matando inocentes ou não, fazendo seus próprios julgamentos? Driblando e se eximindo da Justiça? Mas não é Rô... Não é!
Ele respirou fundo.
- Então deixa tudo fechar e acabar. De qualquer forma, ele vai ganhar....
Ele se levantou e foi em direção à cozinha.
- Merda, merda, porra - gritei.
- Isso ajuda muito - o Rô disse de lá.
- Eu vou embora, ficar aqui é que não está me ajudando!
- Jane - ele voltou para a sala - pensa melhor, vai deixar a Gaby e seus amigos pagarem por algo que aconteceu entre vocês? Mesmo sendo injusto, o que houve com eles foi sorte, foi providencial. Uma coincidência o Conservatório Ludwig fazer os testes com eles depois da apresentação em São Paulo.
Ele encostou na porta do cômodo e cruzou os braços.
- Sorte, coincidência.... Andamos pesquisando e a empresa por trás dela é uma grande indústria de inovação de energia alemão - coloquei a bolsa no ombro e hesitei em terminar a frase - é do conglomerado S&Y.
Passei a língua nos lábios com a cara de desânimo que o Rô fez.
- Andamos? - ele me olhou de cima para baixo.
- Eu e o André. Ma nem vem.. somos amihos, Só... ele me ajudou até mesmo porque esta é a empresa que se tornou sócia do hospital escola que o chamou para ministrar aulas - dei uma pausa o olhando - Rô, por isso que sou resistente e reticente nessa história. Não existe isso de providência divina, coincidência, sorte, seja lá o quê. As coisas estão bem orquestradas e é ruim pensar que você é apenas um boneco na mão deles.
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Tempos de Dança: Renascimento e Redenções
RomanceRemissão, era tudo que Djane queria. Ficar em seu canto, cuidando da ONG que criou para ajudar aqueles que como ela, uma dia, precisam de orientação, segurança e paz. Ficar em seu canto, ajudando sua irmã a ser a musicista que sempre sonhou. Ficar...