Na manhã de sábado, acordei com o nariz levemente roxo e a cabeça latejando. Levantei da cama e caminhei até a janela pela primeira vez desde que tinha chegado, avistando um bonito lago, que seria muito mais bonito se não tivesse alguns tijolos às suas margens.
É por isso que a natureza acaba.
Passei o dia todo trancada no quarto, enquanto ouvia conversas do lado de fora, mas não sentia a mínima vontade de sair dali. Afinal, não havia nenhum lugar que gostaria de ir, ainda mais com o nariz meio roxo, sem contar que não existia mais um celular para ser chamado de meu... O que me levou a crer que Raquel não tinha ligado para o meu pai. Talvez Caio esqueceu de falar para ela sobre o homicídio contra meu celular ou talvez ela só não queira ligar mesmo.
Minha única saída era ficar ali e esquecer o ataque de pânico para não acabar tendo outro.
Deitei na cama de cabeça para baixo, dei cambalhotas, andei de patins pelo quarto, estalei a língua no ritmo do relógio assassino, - que fiz questão de jogar do 15º andar, sem me preocupar com a cabeça de quem estava embaixo - dobrei minhas roupas e as guardei, assim como meus livros; assobiei, cantarolei, fiz polichinelos, treinei caretas no espelho, colei fotos minhas e da minha mãe na parede, tentei cobrir o roxo do meu nariz com corretivo, testei alguns penteados no meu cabelo, terminei de ler o livro "Garota Exemplar" pela terceira vez, fiz algumas abdominais, imitei o jeito de Tissa andar e me casei com Steve, meu urso de pelúcia.
Não fazia a menor ideia de que horas eram, apenas sabia que já tinha escurecido há um bom tempo e que não havia nenhum barulho além dos meus próprios passos, - fiz questão de testar, fazendo um desfile pisando o mais forte que eu conseguia - decidi sair dali, comprovando que estava sozinha. Corri para a cozinha, fiz um sanduíche, peguei uma maçã, um copo de suco de laranja, uma barra de chocolate - que eu não fazia ideia se podia pegar - e os levei para o quarto. Antes de comer, tomei um banho demorado e quando estava saindo do banheiro, ouvi a porta sendo aberta, me fazendo correr e me trancar no quarto de novo.
Eu não estava com medo, só não queria olhar nem explicar meu nariz para ninguém.
Não vesti roupa, apenas continuei com meu roupão preto, sentei na cama e comecei a devorar a comida. Já tinha terminado de comer o sanduíche, a maçã e de beber o suco, quando abri a barra de chocolate.
- Samira! - escutei o grito de Tissa.
Ignorei, afinal, aquele não era meu nome.
- Samira! - outro grito, dessa vez na porta do quarto - Me responde, demônio!
- Meu nome não é Samira! - gritei com a boca cheia.
- Você pegou meu chocolate? - sua voz estava firme, até podia imaginar a fumaça saindo dos seus ouvidos - Você pegou meu chocolate? - repetiu.
- Não tinha seu nome. - respondi, colocando um pedaço de chocolate na boca.
- Devolva!
- Você quer de que forma? - outro pedaço.
- Eu só quero o chocolate!
- Tenho duas formas de te devolver.
- Não me importa, eu só quero ele!
Com certeza amanhã eu estaria surda.
- Eu estou te dando direito de escolha, Tissa. - respondi calmamente, colocando o último pedaço na boca - Opção 1 ou 2?
- O que são essas drogas de opções?
- Opção 1. - levantei e me aproximei da porta - Vômito. Sairá um pouco mole, mas se você colocar um pouco de amido de milho e levar ao fogo, talvez fique numa consistência legal. Opção 2: Cocô ou defecação, como preferir... Acho que nessa sairá numa consistência melhor.
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Isso é um Adeus
Ficção AdolescenteSaphira nunca teve uma vida fácil, porém desde que perdeu sua mãe e foi obrigada a morar com seu pai alcoólatra, viu sua vida começar descer uma ladeira sem direito a freio. Dois anos depois dos acontecimentos que arrasaram sua vida, assim que...