Carta 32 - Parte 2

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Prendi a respiração. Meu corpo travou os movimentos. Inconsciente, fechei as mãos em punhos.

- O que disse? - Sussurrei inaudível o suficiente para ter certeza de que fui o único a escutar.

Sua mãe me poupou de repetir. Seus olhos eram impenetráveis e duros, mas não o bastante para que eu não pudesse ver as mágoas serem desencavadas e surgirem na superfície. O rosto se contorceu algumas vezes como quando resistimos à vontade de chorar e virou a cabeça para o lado; as sombras criando um tipo de proteção para que eu mal conseguisse enxergar sua face. Eu, por outro lado, permaneci perdido em pensamentos. Namjoon, Kwan, eu e você. Tudo passando muito rápido em imagens borradas e pontadas agudas de dor. Meus lábios se tornaram uma linha fina numa promessa de sigilo.

Foi ela quem quebrou o silêncio primeiro.

- Eu sabia muito antes de aceitar me casar com ele. - Disse para a escuridão.

Minha boca era incapaz de mover os lábios. E, embora eu estivesse quieto, minha mente estava veloz. Tão veloz que o peito foi preenchido por agonia.

Franzi o cenho.

- Estamos falando... Do cara certo? Estamos falando de Kwan, pai do Jimin?

Kyung-Soon balançou a cabeça.

- Sim, estamos.

Hesitei por instantes.

- Por que agora? - Indaguei. - Por que justo agora resolveu contar a verdade?

Os olhos dela haviam voltado para mim intensos e escuros. Eu já havia visto aquele olhar muitas vezes antes em você, Jimin.

- Porque eu tentei, sem sucesso, fazer a verdade desaparecer e levar uma vida que eu sei, desde muito nova, que não é minha. - Disse, a voz baixando. - Mas não é, nem de longe, fácil de escondê-la por tanto tempo. Preciso dizer tudo o que vim para dizer ou irei sufocar...

Dei alguns passos para trás até sentir as panturrilhas baterem na poltrona mais próxima. Sentei, atento a cada sílaba que saia da boca de sua mãe. Eu era jovem, querido, podia me curar. Kyung tambem era jovem, mas algo na maneira como ela falava me dizia que era quase impossível resgatá-la do fundo. Houve quase uma vida inteira destruída por trás de cada palavra.

Ela fungou e a expressão do rosto voltou-se para mim desafiadora.

- Foi uma armação - Disse. - Uma armação planejada muito antes do nascimento de nossos filhos. Na época do ensino médio, morávamos em Gyeongju, cidade pequena. E você sabe o que dizem: Não há segredos em lugares assim. Todo mundo conhece todo mundo e não poderia ser diferente com o filho de um pai veterano de guerra. Nossas famílias eram próximas, então, se eu aprontasse, o pai de Kwan saberia. Se Kwan aprontasse, meu pai saberia, e foi assim que as coisas pioraram.

Ela apertou a corrente com mais força. Os nós dos dedos visivelmente brancos.

- Quando completou dezoito anos, passou a ser um pouco menos cuidadoso em esconder que se apaixonava por garotos. Ele se envolveu com um novato da nossa turma, chamado Jihoon. Não demorou muito para que os boatos corressem pela escola e, logo depois, para fora dela. Bem, o resto você já pode imaginar. Meu pai ligou para o pai dele. Kwan levou uma surra antes de ser enviado para o exército sem ao menos ter tempo de respirar. O outro foi enviado a um acampamento de cura gay.

Ela abaixou a cabeça para os pés. Largou a corrente.

- Um casamento fajuto foi a grande ideia que Kwan teve para sair daquele inferno o quanto antes. Ter dois filhos foi só uma consequência.

POR TRÁS DAS MEMÓRIAS jjk + pjm (Finalizada 09/03/19)Onde histórias criam vida. Descubra agora