Carta 30

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Terça-feira, 07 de novembro

Querido Jimin,

Minhas mãos encontravam-se trêmulas. Forçar o ar a entrar e sair dos pulmões doía, e a pressão exercida me dava a sensação de ter os ossos do corpo desmontando e caindo um atrás do outro. Sem controle sufoquei, sentindo-me um peixe fora d'água. Algo me envolveu nos braços. Cheirava a morte.

Sangue cobria minha mente. Onde quer que eu olhasse, via suas mãos ensanguentadas - os cortes abertos e profundos - raspando de leve o chão do banheiro. Não saio desse ponto. Estou preso ao momento como se ele estivesse ocorrendo agora, bem diante dos meus olhos, enquanto escrevo.

Tenho pesadelos, Jimin.

Tenho traumas em consequência dessa noite sombria: Não fecho portas. É tão bobo, tão idiota, mas faz meu corpo enrijecer; o coração palpitar; o sangue fluir veloz nas veias e o nó de pânico tomar conta da garganta. Não fecho portas. Elas me fazem ver a água manchada de sangue escorrer pelo corredor, a imagem de você chorando ao enfiar a lâmina na carne, a dor de pôr um fim em nós. Não fecho, nem tranco portas, Jimin. Nunca tive coragem o suficiente.

As paredes ao redor pareciam girar. Lembro da ânsia e a bile brincando de ir e vir em meu organismo. Com uma das mãos, apoiei o peso na parede. Com a outra, segurei a testa. Risos. Dedos apontados em minha direção no final do corredor. Figuras distorcidas. Forço a visão e reconheço: Namjoon, Kwan e Seokjin, juntos, rindo de mim. Seus rostos distorcem e voltam para o lugar sucessivamente. A ânsia, decidida, vem à tona, sujando o piso de linóleo do corredor do hospital com uma substância esverdeada. O gosto na boca era ácido e amargo.

Caí para o lado, sofrendo o impacto da parede contra o ombro e deslizei ao chão. Expressões de pena e de horror de pessoas que não eram fruto da imaginação me acompanhavam desde o início. Nenhuma delas fora capaz de me reconfortar. E por que fariam isso? Evitei olhar para a esquerda porque sabia o que veria. Uma trilha, não muito grande, feita com gotículas de seu sangue. Pelo sangue que jamais deveria estar saindo dos seus pulsos.

Só me dei conta de quanto tempo permaneci encolhido num canto qualquer na parede quando a recepcionista me pediu o número de um responsável que fosse arcar com as despesas do tratamento. Vasculhei os contatos à procura do nome Kwan.

- O que irão fazer com ele? - Indaguei. A voz sufocada. Estendi o celular: O número de Kwan brilhando na tela.

A recepcionista, por meio segundo, pareceu confusa. A caneta moveu-se agilmente sobre o papel. Quando terminou, o dedão moveu-se para o topo da caneta. Clique. Ecoou entre nós.

- Primeiro os médicos precisam analisar os cortes para saberem se a lâmina estava enferrujada ou continha alguma partícula infecciosa. Depois eles irão limpar os cortes e, enfim, costurá-los. - Disse. - Mas o processo que realmente cobramos é o tratamento de prevenção ao suicídio, caso os responsáveis queiram, e os medicamentos necessários para a recuperação do paciente.

- Tudo bem. Obrigada. - Sussurrei.

tratamento de prevenção ao suicídio

Me certifiquei de que todos ali estavam longe (ou ocupados) o bastante quando meus olhos começassem a arder. Outras pessoas estavam envoltas na própria dor, talvez disfarçando as lágrimas como eu.

Àquela altura, Jimin, nada poderia me machucar ou me matar mais do que te ver na sala de cirurgia, através das cortinas azuladas e não poder segurar sua mão. Meu coração derretia e sangrava ao ser esmagado por mãos invisíveis. As imagens não paravam de me atormentar, de brincar com minha cabeça. Precisei caminhar pelo corredor para tentar controlar a respiração.

POR TRÁS DAS MEMÓRIAS jjk + pjm (Finalizada 09/03/19)Onde histórias criam vida. Descubra agora