Capítulo 15 - Um Chamado

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   O ódio de Marcel por mim é algo óbvio, mas o motivo ainda está subtendido. Eu não consigo acreditar que alguém pode odiar outra pessoa apenas por sua condição física. Por mais que ele seja alguém detestável, eu prefiro acreditar que existe algo a mais, um motivo maior.

  Do lado de fora da rocha, o aglomerado de vozes se distanciaram. Eu queria sentir alívio, mas não consigo.

Nos treinamentos e reuniões com o presidente e superiores, não fomos avisados de que teria um alvo para eliminarmos.

Se fosse um elemento surpresa, eles teriam nos dado armas para uma chance de defesa. Mas nem isso.

E tem a informação de Marcel que a frequência da base não está ativa. Tem algo errado acontecendo.

Checo a pulsação de Sam e vejo que está estável, por enquanto. Sua temperatura ainda está elevada e suas pálpebras tremulam como se ele estivesse preso num sonho muito ruim e tentasse a todo custo acordar.

  Decido verificar os arredores da floresta, para ver se ainda há algum movimento.

Engatinho para fora da rocha e olho para todos os lados, mas não vejo nada suspeito. As vozes se foram e o único som é o do vento balançando as folhas das árvores.

Quando estou prestes a voltar, meu comunicador apita e quase me mata de susto.

Ainda trêmula, pego e atendo a chamada.

— Marcel? - Questiono, mas não obtenho respostas. — Lena, é você? - Ouço apenas o chiado irritante do outro lado. — Quem é?! - Questiono irritada.

— A base está sendo atacada. Avise os outros e retornem o mais rápido possível.

— O quê?! Marcel se for uma brincadeira, saiba que não é engraçado!

— Eu sou o comandante Lion. Avise o restante da equipe e retornem a base. Isso é uma ordem.

Antes da frequência cair consigo ouvir gritos e um barulho muito alto. Fecho os olhos e quase posso ver a cena. Uma explosão.

                         ~~

  Tento controlar minha respiração antes de pensar no que devo fazer.

A base está sendo atacada. E o comandante contata a única pessoa que ninguém dá a mínima.  Ninguém vai acreditar em mim. O que eu vou fazer agora?

  Fecho meus olhos e encosto minha cabeça na superfície coberta de musgo. Não consigo evitar os pensamentos negativos que irrompem na minha mente.

"Inútil, aberração, doente, incapaz, peso morto..." 

  Comentários maldosos começam a retornar na memória. Coisas ruins que eu ouvi durante minha estadia na base. Cochichos que eram propositalmente altos para eu ouvir.  Palavras mais afiadas que as próprias adagas do arsenal na sala de armas.

  Os alunos se divertiam sendo cruéis.

Eu sempre tentei não me afetar por esses tipos de comentários, mas agora com essa responsabilidade nas costas, me sentindo totalmente impotente, é quase impossível não ver sentido nessas palavras.

Eu sou completamente inútil e ninguém vai parar pra me ouvir. Todos da base vão morrer e a culpa será minha por não conseguir transmitir uma simples mensagem.

As lágrimas enxarcam meu rosto e os soluços saem entrecortados. Eu queria não acreditar na opinião dos outros, mas como poderia julgá-los, se até eu me odeio?

— J-Jamie... - Ouço Sam murmurar. Limpo as lágrimas e me aproximo do corpo dele. — Jamie... - Murmura de olhos fechados.

— Sam, estou aqui. - Digo colocando minha mão sobre a testa dele para medir a temperatura. — Como se sente? - Pergunto, verificando a panturrilha dele.

— Morto. - Dá uma risada que se transforma em tosse. Abro um sorriso em resposta, mas ele não vê pois permanece de olhos fechados.  — O que aconteceu comigo?

— Seu ferimento está infeccionado, você teve febre e dormiu por muito tempo. Mas o analgésico deve ter feito efeito, porque você acordou. - Digo e ele sorri de olhos fechados.

— Bem típico, né? - Caçoa e abre os olhos, logo fazendo uma careta um tanto quanto engraçada. — Por que sinto que tem algo errado?

— Porque tem, e temos que ir. Mas não dá pra ir porque você não consegue andar. - Solto um longo suspiro e assumo um ar sério. Vê-lo acordado me deixou feliz, mas os sentimentos ruins e o caos lá fora não me deixam apreciar essa pequena felicidade.

— A Base está sendo atacada, Sam. E eu sou a única pessoa que sabe porque o próprio comandante me deixou ciente disso. Ninguém vai acreditar em mim. - Solto de uma vez e enterro meus dedos no cabelo, em sinal de frustração. Sam estreita os olhos processando as informações.

— Espera.. O comandante falou com você?! - Exclama totalmente incrédulo e confuso. Reviro os olhos.

— Eu também não entendi nada, ok? Mas enquanto estamos discutindo aqui, as coisas estão feias lá na base. Eu ouvi um estrondo, algo como uma explosão.

— O quê?! E por que você ainda não foi avisar os outros? - Encaro ele como se a resposta fosse óbvia, mas ele parece não entender.

— Eu não podia te deixar sozinho e vulnerável. - Digo sentindo meu rosto ruborizar. Ele sorri amigavelmente e assente.

— Obrigado, Jamie.

— É isso que os amigos fazem, não é? - Respondo genuinamente feliz por tê-lo como um amigo.

— É. - Ele sorri, mas logo se desfaz dando lugar a preocupação. — Precisamos dar um jeito de avisar as outras equipes. Já tentou contatar o Marcel ou a Lena?

— Não. - Respondo simplesmente, envergonhada por ter perdido tempo enquanto me depreciava com pensamentos negativos sobre mim mesma.

— Ok. Deixa eu tentar. - Ele diz apontando para sua mochila. Eu pego ela e retiro o comunicador de dentro, entregando a ele.

Sam sintoniza primeiro a frequência de Marcel, mas não obtém resposta. Em seguida, ele tenta a de Lena.

A chamada se estende e quando ele está prestes a desistir, ela atende.

— Lena? - Sam chama e franze o cenho quando o silêncio se faz presente. — Lena, aonde você está? - Nós trocamos um olhar confusos e ele continua tentando uma resposta.

...
...
— Sam.. - A voz é fraca. — Me ajude. - Um rugido muito forte é transmitido do comunicador e ecoa pela rocha. Sam e eu ficamos totalmente sem reação.

As coisas estão piores do que imaginamos.

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