Meia hora depois, após minha discussão com a Sue, o Doutor Danton aparece para analisar meu estado de saúde. Sinto-me aliviada quando não encontro o ANL em suas mãos.
Todo o procedimento é feito dentro da máquina Revitat, uma criação dos antigos cientistas, feita para acelerar o processo de regeneração de ossos fraturados.
— Cada dia que passa, eu me surpreendo mais com a sua força, Jamie - ele diz, enquanto me encara sobre o vidro da máquina. Ele sorri e algumas rugas se formam no canto de seus olhos.
— Eu não entendo como sobrevivi a tantas coisas na minha vida — balanço a cabeça de um lado a outro, inconformada. — não parece possível pensando de uma maneira sã - eu confesso e sou surpreendida por uma risada humorada do doutor. Eu não me lembro de vê-lo rir assim antes.
— A vida é feita de mistérios. Alguns morrem por tão pouco, enquanto outros sobrevivem a catástrofes gigantescas - ele coça o queixo enquanto pensa em alguma coisa — tudo depende se é a sua hora de partir - ele finaliza, sentando-se na cadeira ao lado da maca. Eu analiso seu semblante, procurando algum indício de que ele não esteja falando sério. Eu não sabia que ele era uma pessoa religiosa.
— Você acredita em superstições? - pergunto. Ele não parece se incomodar com minha curiosidade.
— Minha esposa era uma mulher religiosa, ao contrário de mim. Além disso, era teimosa. Ela não desistiu até me convencer a frequentar o mesmo templo que ela - ele suspira e abre um sorriso triste. — Sinto falta dela. - ele diz e desvia o olhar.
— Sinto muito por sua perda.
— Ah, obrigado. Mas ela não faleceu, ela só... - ele faz uma expressão estranha e levanta afoitamente. — Com licença, Jamie. Você está liberada para voltar ao seu compartimento. - diz, enquanto me ajuda a sair da Revitat. Ele sai apressadamente da sala, deixando-me completamente confusa e estática.
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Encontro Sam do lado de fora do consultório. Ele está olhando para algum ponto fixo do chão, perdido nos seus próprios pensamentos.— Buh! - brinco e ele finge se assustar — O que você está pensando? - pergunto e ele morde os lábios, aparentando estar em conflito interno com a questão.
— Eu acho que tive uma lembrança, Jamie. - Ele diz e olha para os lados, certificando-se de estarmos a sós. — Eu acho que lembrei dos meus pais.
— Sério? E do que você se lembrou, exatamente? - Ergo as sobrancelhas, extasiada com a informação. Eu também me lembrei do meu passado e saber que Sam também se lembrou de algo, desperta-me uma sensação de esperança.
— Não quero falar sobre isso no corredor. Podemos ir para o seu compartimento? — ele pergunta e me encara com expectativa. Sinto um frio na barriga involuntário, porque é a primeira vez que alguém entra no meu quarto.
— Claro. — respondo, evitando encara-lo por mais de um segundo.
Caminhamos em silêncio pelos corredores. Meus pensamentos estão confusos com tantas pontas soltas... Por que o comandante me contataria para relatar um possível ataque? Por que uma máquina KJ estava a solta na floresta de provas? Por que nossas lembranças estão voltando agora?
— Jamie? — A voz de Sam desperta-me de minhas indagações. Olho para ele e percebo que passei do meu compartimento sem perceber. — Está tudo bem mesmo? — ele indaga claramente preocupado comigo. Eu aceno positivamente e sorrio para confortá-lo.
— É só o excesso de pensamentos. - digo, enquanto passo meu cartão de acesso no sistema da porta. A porta se abre e nós entramos. Sam fica abismado com o espaço que eu tenho só para mim.
— Caramba, você tem muita sorte de não precisar dividir o compartimento com alguém. — ele diz e se senta no sofá acoplado na parede. Eu dou uma risada.
— Pelo menos minha condição serviu pra alguma coisa útil. — Sorrio. Sento-me na cama defronte a ele. Cruzo as mãos e olho para ele com ansiedade.
— Então... — Ele parece entender a minha pressa em saber o que ele descobriu. — Eu não sei bem se foi uma lembrança ou um sonho... As imagens não estavam claras o suficiente. - ele suspira pesadamente. — No sonho, ou seja lá o que tenha sido, eu estava deitado num lugar escuro e silencioso... Até que um estrondo muito forte me fez levantar e correr para outro lugar, procurando os meus... — ele tem dificuldade em finalizar a frase. Ele desvia o olhar e comprime os lábios, aparentando estar muito abalado. — Meus pais. — As palavras saem embargadas.
Sinto-me na obrigação de ampara-lo ao perceber o quanto ele está fragilizado. Sento-me ao lado dele e seguro suas mãos, afagando-as. Ele respira fundo e continua.
— Eu não consegui encontra-los naquele momento. Os estrondos ficavam cada vez mais altos e se misturavam com sons de vozes aflitas... E chegava cada vez mais perto. — sua voz sai trêmula, como se ele estivesse revivendo aquela lembrança.
Aperto sua mão para assegura-lo de que ele não está sozinho.
— Eu me aproximei da janela, e... E eu vi pessoas correndo, saindo de suas casas... E o céu estava vermelho... — Sam se perde nas palavras e não consegue mais conter o choro.
— Calma, Sam. Estou aqui. — Afago suas costas para acalma-lo. — Está tudo bem se você quiser terminar depois. — Ele nega com um aceno e engole o choro.
— Eu estava desesperado porque não sabia onde eles estavam, e se estavam seguros. Então eu saí da casa e me misturei com a multidão, correndo na mesma direção que eles... Eu olhei para o céu novamente e percebi que a cor vermelha estava se aproximando cada vez mais. — ele balança a cabeça, consternado. — Antes de conseguir saber o que era aquilo, alguém segurou meu braço e me puxou para um abraço. Era uma mulher negra, cabelos cacheados igual ao meu, suor escorria pelo rosto dela... Mas ela sorriu ao me ver. E logo atrás vinha um homem alto e forte, ele usava um uniforme verde e trazia uma arma em sua mão. Os dois me abraçaram ao mesmo tempo e agradeceram por eu estar bem. Eles se pareciam comigo, Jamie. — Ele diz e olha para mim. Sorrio para ele e aceno positivamente.
— Seus pais. — digo e ele assente. — E depois?
— Eu não sei. O rosto deles foi a última coisa que eu vi antes de acordar. — ele pondera por um instante e olha pra mim. Consigo ver o desespero em seu olhar. — Você acha que isso foi real?
— Eu não posso te garantir que seja real, Sam... Mas eu acredito que sim — digo.
— Então... Será que eles estão vivos? Mas... Se eles estiverem vivos na Terra... — ele se perde novamente em pensamentos conflituosos. — Eles se tornaram KJ's?
Sua indagação me pega desprevinida. A verdade é que eu nunca havia parado para pensar nessa possibilidade. Se nós fomos os únicos sobreviventes do bombardeio, então todas as pessoas que ficaram na Terra se tornaram KJ's sanguinários? Mas... E se houveram mais sobreviventes que não foram encontrados?
— Eu... — tento dizer algo, mas não tenho resposta para aquela pergunta. — Sam, você acha que pode haver uma possibilidade de sobrevivência na Terra?
— Talvez. Na verdade, é possível sim. Uma vez, conversando com o mestre G, ele deixou escapar uma informação... Ele disse que os KJ's passaram a existir muitos anos após o bombardeio. E isso me fez raciocinar.. Talvez eles tenham sido criados na Terra.
— Isso bate com a informação que eu tenho. A Tina me disse que eles são experimentos que deram errado.. E agora querem vingança.
— Vingança contra quem? — Sam pergunta, mas logo após sua expressão se ilumina e denuncia que ele sabe a resposta. Antes que eu tenha a chance de falar, ele responde:
— Presidente Renderick! — E nós ficamos em silêncio, processando a gravidade da situação.
O silêncio é interrompido pelo som da Art-IA, avisando para todos os alunos comparecerem ao campo de Treinamento. Eu e Sam nos entreolhamos, compartilhando do mesmo sentimento: medo.
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Resquícios
Bilim KurguExiste um momento certo de descobrir o que somos e porque somos? Quando você abriu os olhos e teve consciência de que estava viva? Eu lembro-me vagamente dos acontecimentos passados, como se fossem fragmentos unindo-se a medida que as memórias se...