Noah August William Harrison, Conde de Trowbridge e futuro Duque de Wiltshire, vivia o auge da despreocupação e da satisfação. Aos seus trinta anos recém-completos, era um dos solteiros mais cobiçados da sociedade londrina. As mães casamenteiras o observavam com uma avidez quase predatória, lançando suas filhas bem-nascidas em seu caminho sempre que possível. Ele, por sua vez, não as culpava por isso. Afinal, além de possuir uma beleza notável, com sua postura altiva e olhos de um azul penetrante, ostentava algo que fazia qualquer moça suspirar e qualquer família ansiar por uma aliança: o título de Duque, que em breve herdaria.
Contudo, para a infelicidade das ambiciosas damas da sociedade, Noah era um notório libertino e não tinha qualquer intenção de mudar seu estilo de vida. Gostava de sua existência livre, sem amarras ou responsabilidades sentimentais, preenchendo suas noites com festas e seus dias com os prazeres da carne. Era mestre na arte da sedução e, diferentemente de outros cavalheiros de sua posição, raramente precisava pagar pelos favores das cortesãs, pois seu nome e presença eram suficientes para seduzi-las.
Atualmente, mantinha uma amante exclusiva, uma beldade de cabelos dourados e curvas exuberantes chamada Claire Lewis. Entre todas as mulheres com quem se deitara, Claire destacava-se não apenas por sua beleza, mas por uma peculiar inteligência e um charme que o intrigavam. Mesmo que não admitisse em voz alta, gostava de tê-la ao seu lado mais do que gostava de qualquer outra amante que já tivera. E, claro, podia se dar a esse pequeno luxo. A fortuna dos Harrison era vasta, consolidada por gerações, e gastos com prazeres e entretenimentos nunca foram motivo de preocupação para ele.
Noah viera ao mundo numa manhã nublada de 9 de maio de 1782. Seu nascimento fora celebrado com grande júbilo, pois assegurava que o ducado permaneceria nas mãos da família Harrison. Para seu pai, Vincent Harrison, atual Duque de Wiltshire, ter um herdeiro varão significava mais do que apenas garantir a continuidade do título; era a certeza de que jamais precisaria suportar a humilhação de ver outro homem assumir seu lugar. Para sua mãe, Sarah, significava o início de uma jornada que misturava amor incondicional e sofrimento silencioso.
Noah cresceu cercado pelo carinho e pela ternura da mãe, mas a presença do pai era algo bem diferente. O Duque passava pouco tempo em casa e, quando voltava, geralmente estava embriagado e mal-humorado. As noites eram marcadas por discussões abafadas e portas trancadas. Sarah, sempre tão altiva durante o dia, tornava-se uma sombra de si mesma quando o marido estava presente. Para proteger o filho, fechava-se em seu quarto com ele, sussurrando histórias e cantigas para acalmar a criança, enquanto os ecos de sua própria dor se espalhavam pela mansão.
No entanto, houve uma noite em particular que marcou Noah para sempre. Tinha apenas doze anos quando sua mãe, em meio à pressa e ao cansaço, esqueceu-se de trancar a porta do quarto. Acordou com gritos abafados e, ao sair de sua cama, deparou-se com uma cena que gravaria em sua memória para sempre: seu pai, furioso e descontrolado, golpeava Sarah com brutalidade. Algo dentro do menino se rompeu naquele instante. Com um ímpeto desesperado, correu na direção do pai e o atacou, golpeando-o com pequenos punhos trêmulos.
Vincent riu. Não de prazer, mas de escárnio. E então, sem hesitação, voltou-se contra o próprio filho, derrubando-o no chão com um único golpe. O garoto tentou erguer-se, mas foi atingido novamente. A dor foi intensa, e Noah sentiu o mundo girar antes de tudo escurecer.
Na manhã seguinte, quando despertou, sua mãe estava ajoelhada ao seu lado, segurando sua mão com lágrimas nos olhos. Mas o que mais o chocou foi a reação do pai. Vincent não se desculpou, não demonstrou remorso. Apenas olhou para o filho com uma frieza cortante e declarou:
— Você é meu herdeiro. Eu não o matarei por isso. Mas se interferir novamente, eu não terei piedade.
A partir daquele dia, Noah jurou a si mesmo que jamais permitiria que sua mãe sofresse novamente. Fez um pacto com o pai: se Vincent nunca mais levantasse a mão contra Sarah, ele jamais se voltaria contra ele. E, surpreendentemente, o Duque concordou.
Um ano depois, nasceu sua irmã, Clarissa Harrison. Noah mal teve tempo de conhecê-la, pois logo foi enviado para Eton para iniciar seus estudos. Escrevia cartas para sua mãe sempre que podia, certificando-se de que ela e Clarissa estavam bem. Mas, em algum momento, tudo mudou.
A notícia chegou de forma cruel e inesperada: Sarah perdoara Vincent. O homem que a espancara, que lhe tirara toda a dignidade, havia sido acolhido novamente como marido. Noah soube, por intermédio de um criado, que seu pai continuava a manter cortesãs, enganando a mãe sem qualquer remorso.
A revolta tomou conta dele.
Foi então que decidiu afastar-se de vez da família. Enterrou-se nos estudos, graduou-se em Cambridge e, tão logo terminou a universidade, mudou-se para Londres. Seu pai lhe forneceu uma residência de porte médio na cidade, mas isso pouco importava. O que importava era que ele, finalmente, era livre.
E foi assim que Noah construiu a vida que agora levava. Uma vida sem amarras, sem responsabilidades, sem amor.
Entretanto, tudo mudou na manhã de 24 de abril de 1812.
Acordou como sempre: os raios de sol filtravam-se pelas cortinas pesadas do quarto, e o corpo nu de Claire Lewis estava aninhado ao seu. Beijou seus cabelos dourados antes de afastar-se da cama, espreguiçando-se languidamente. Vestiu um robe de seda e caminhou até a cozinha, esperando encontrar algo para beber antes de iniciar seu dia.
Foi então que um de seus criados apareceu, segurando uma carta.
— Milorde — disse o homem, reverenciando-o. — Chegou esta correspondência de Vossa Graça, o Duque de Wiltshire.
Noah parou, franzindo o cenho. Seu pai não lhe enviava cartas. Não havia comunicação entre eles desde sua juventude.
Tomou o envelope com um movimento lento e calculado. Sentia uma estranha inquietação percorrer seu corpo, como se um mau presságio pairasse no ar.
Sem dizer palavra, dirigiu-se ao escritório e sentou-se na poltrona de couro preto. Rompeu o lacre e deslizou o olhar pelas palavras escritas no papel amarelado.
No instante em que compreendeu o conteúdo, sua respiração vacilou.
Seus olhos percorreram as linhas mais uma vez, como se quisessem encontrar um erro, uma mentira, uma maneira de negar o inevitável. Mas não havia engano.
Noah fechou os punhos, sentindo um nó formar-se em sua garganta.
Aquela carta destruía tudo.
Sua vida, sua liberdade, seu mundo.
E, pela primeira vez em muitos anos, Noah Harrison sentiu o gosto amargo do desespero.
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Distinta Faísca
RomanceNoah August William Harrison futuro Duque de Wiltshire e atualmente Conde de Trowbridge nunca se importunou por ter uma vida libertina livre de preocupações. Gostava da vida que tinha e nem se importava com o casamento, afinal sua família possuía um...