17. Um passo de cada vez

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Não sei em que momento exatamente eu soube que era hora de levantar e encarar a realidade.

Minha irmã tinha sido rendida por dois caras armados e estuprada e já estava lutando para superar, apesar de saber que o caminho era longo até voltar a se sentir minimamente normal.

Olhei a janela, o dia começava a raiar, pensei "Um passo de cada vez, Ana". Já conhecia a rotina do hospital de cor e salteado.

A enfermeira entrou e perguntou:

- Como estamos aqui?

Assenti. Ela sorriu para mim e disse:

- Querida, será que é hoje que você decidiu sair dessa?

Queria falar que sim, mas eu nem lembrava como usar minhas cordas vocais. Logo o café da manhã chegou.

Me sentei na cama, peguei uma das torradas, abri a manteiga e passei calmamente. Em seguida tomei um gole do café com leite e dei a primeira mordida na torrada.

Um passo de cada vez, Ana.

Olhei o lençol branco por alguns minutos, então dei a segunda mordida. Mastiguei e engoli calmamente, dei um segundo gole na bebida e me permiti fechar os olhos por um momento e limpar minha mente para curtir o momento.

Então dei a terceira mordida na torrada e deixei o café da manhã de lado. Toquei no botão para chamar a enfermeira e assim que me viu a senhora que aparentava ter uns 60 anos me disse:

- Você comeu alguma refeição pela primeira vez desde que chegou aqui.

Fiz que sim com a cabeça. Então ela me olhou e disse:

- Eu te ajudo com a sua higiene.

Assim ela fez, me ajudou a usar o banheiro, tomar banho, escovar os dentes, pentear meu cabelo e vestir uma camisola limpa.

Por um bom tempo fiquei apenas tentando esvaziar minha mente e viver o momento. Eu precisava me desligar de tudo se quisesse seguir em frente.

Então minha irmã e o marido dela chegaram e pela primeira vez eu pude observá-la. Ela estava mais magra, parecia abatida. Meu cunhado que antes parecia um Deus grego agora carregavs grandes olheiras e parecia muito abatido.

Não foi fácil vivenciar aquilo, mas se eles tiveram forças para se levantar e tentar seguir em frente eu também teria em algum momento.

Assim que minha irmã me viu sentada na cama ela me encarou e falou calmamente:

- Oi maninha, eu acho que você melhorou.

Tentei esboçar um sorriso, mas acho que ficou parecendo uma careta pra lá de estranha. Então meu cunhado se aproximou e disse:

- Vai ficar tudo bem, se não quiser falar não precisa.

Eu quero falar, mas não consigo. Então minha irmã se sentou ao pé da cama e disse:

- Vai demorar até você se sentir minimamente normal de novo, mas uma hora vai acontecer. Lembra do que te espera aqui fora...

Incertezas e mais incertezas me aguardavam. Espantei aqueles pensamentos da minha cabeça, tentei lembrar da faculdade de medicina e acho que só isso que eu tinha de bom na minha vida.

- Mamãe também está muito preocupada com você, ela veio te ver nos primeiros dias, não sei se você lembra.

Sim, eu lembro. Minha mãe está envelhecida, parecia realmente preocupada comigo e tentou se comunicar várias vezes, mas eu tinha muitas coisas para assimilar na minha cabeça.

Eles continuaram a falar sobre coisas boas e listaram as pessoas que estavam preocupadas comigo, basicamente só a minha família, a única exceção era o Felipe e a Zoe.

Quando terminou o horário de visitas a enfermeira voltou junto com um médico psiquiatra. Ele explicou:

- Quando o trauma é muito grande o paciente demora a se recuperar e você ter demonstrado vontade de ir ao banheiro e ter comido o seu café e o seu almoço já é uma grande evolução.

Assenti. Para mim também era uma evolução enorme querer sair do meu universo particular e voltar à vida real.

- Estamos lhe dando alguns medicamentos para que se mantenha minimamente bem, então se sentir uma sonolência muito grande não se preocupe porque é normal.

Eu precisava sair dessa! Eu precisava ser forte! Depois da visita do médico a enfermeira ligou a televisão e eu fiquei assistindo até a hora do jantar, então consegui comer quase um terço da minha marmita, fiz minha higiene noturna e finalmente me rendi ao sono.

Eu precisava sair dessa! Eu precisava ser forte! Depois da visita do médico a enfermeira ligou a televisão e eu fiquei assistindo até a hora do jantar, então consegui comer quase um terço da minha marmita, fiz minha higiene noturna e finalmente me...

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Proibido para mim - Livro 06 (Série Família Cavallero) [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora