A semana estava sendo complicada para Roger por conta da audiência de instrução, o julgamento, que tinha sido marcado para uma segunda-feira, e pela visita conturbada do investigador Sherman que o deixou preocupado além, da impressão de estar sendo considerado suspeito no desaparecimento de Ester. Por pouco não esqueceu de confirmar a presença de uma das seis testemunhas arroladas para defesa no caso do frigorífico.Na sexta-feira pela manhã, recebeu no escritório as seis testemunhas para repassar algumas perguntas e dar orientações sobre o funcionamento da audiência. Apenas uma delas, uma mulher em torno dos quinquenta anos que trabalhava no mesmo setor que Leonardo Correia trabalhava, antes da demissão, o preocupava. A mulher demonstrava insegurança nas respostas e gesticulava de forma exagerada. O comportamento poderia gerar dúvidas à veracidade do testemunho o que poderia favorecer a acusação e até mesmo desqualificá-la pelo juiz uma vez que a linguagem não verbal diz respeito ao valor da prova oral. Mas ele nada poderia fazer, encontrar e convencer essas pessoas a prestar testemunho foi difícil, pois a maioria não queria se envolver com o caso alegando medo de uma possível represália por parte de Leonardo que em alguns momentos se mostrava um indivíduo desequilibrado e violento quando contrariado.
No mesmo dia, à tarde, recebeu o sr. Laerte para conversarem sobre o caso, as perspectivas da audiência e o valor dos testemunhos tanto da defesa quanto da acusação. O final de semana foi inteiro dedicado a releitura do processo, a avaliação do perfil do juiz, inclusive analisando os últimos casos julgados por ele com essa mesma casuística e as sentenças proferidas, bem como a avaliação das seis testemunhas de acusação. Roger vasculhou minuciosamente a vida de todas elas e em dois casos usou os trabalhos de um detetive conhecido na investigação, buscando qualquer coisa que pudesse usar a seu favor no tribunal a fim de desqualificar o testemunho. Pela primeira vez em toda a sua carreira como advogado, não dormiu bem na noite que sucedia a audiência, teve sonhos confusos e aleatórios. Em um deles, Ester surgia no tribunal com a barriga cortada, sangrando e gritando: "assassino, assassino", deixando todos horrorizados. Acordou suando com o coração disparado sem conseguir voltar a dormir. Foi preciso um longo banho de água gelada e algumas doses de café para despertá-lo.
Pontualmente às 8 horas da manhã da segunda feira, encontrou o sr.Laerte juntamente com as seis testemunhas no saguão do Fórum da Barra Funda, a audiência estava marcada para as nove horas. Permanecia inquieto, sem a costumeira segurança que sempre demonstrava nos diversos casos que atuou ao longo da carreira, não saberia explicar o porquê dessa inquietação, se pela noite mal dormida ou pela semana difícil que tivera. O sr. Laerte percebeu a mudança no comportamento do advogado quando este o respondeu com rispidez a uma das testemunhas, um senhor com idade avançada, que só queria sanar uma dúvida à respeito da audiência. Roger percebeu a grosseria pelo olhar questionador dirigido a ele pelo seu cliente e pediu desculpas pelos modos indelicados ao senhor. De longe avistou o pivô da acusação contra o seu cliente, acompanhado pelo advogado, um antigo desafeto de Roger desde os tempos da faculdade. Cumprimentaram -se com um gesto de cabeça.
Faltando quinze minutos para às nove horas, todos os presentes para a audiência foram convocados a adentrar à sala. No tablado, cabisbaixo e com aparência sisuda, estava o juiz provavelmente lendo o processo, ao seu lado esquerdo o auxiliar de justiça fazendo anotações em um livro. Embaixo, na área destinada às partes de Roger, acomodou as suas testemunhas e sentou com o seu cliente aguardando a acusação fazer o mesmo. O juiz abriu a audiência com algumas palavras apregoando as partes e seus respectivos advogados. Os primeiros a serem ouvidos foram às testemunhas de acusação, cinco ex funcionários do frigorífico e um perito contratado pela acusação para validar as fotos e vídeos usadas como provas nos autos do processo. Esse foi o momento mais delicado da audiência para Roger, o que exigiu maior destreza na contestação das provas apresentadas. Na sequência, as testemunhas de defesa foram ouvidas, uma por uma relatou o comportamento distorcido do acusador em diversas situações. Roger aproveitou esse momento para solicitar a inclusão de uma nova prova ao processo, uma carta na manga do advogado. Um vídeo onde o acusador aparece em uma festa, sóbrio, fato enaltecido por Roger, contando a outros quatro homens de que forma iria extorquir o manda chuva do frigorífico, sr.Laerte, chegando a gargalhar descontroladamente durante o relato. O vídeo seria feito pelo o celular de um dos amigos, em um momento de descontração, o que o acusador não sabia que aquilo serviria como evidência criminal e que este amigo, se é que podia chamar assim, concederia a Roger provavelmente a uma transação pecuniária.
Após a apresentação da prova ao juiz, a acusação solicitou o descarte da mesma alegando desespero da defesa. Iniciou-se um bate boca caloroso entre os advogados forçando o juiz a dar por encerrada a audiência por falta de decoro das partes, mas antes aceitou a aquisição da prova ao processo.
Na saída do fórum, Roger ainda foi interpelado pelo outro advogado que o acusou de desesperado e perdedor. Embora desejasse muito revidar as palavras, Roger calou-se e lhe deu as costas para não perder a cabeça diante dos vários repórteres que os aguardavam na porta do fórum.
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Nove Meses Para Matar
Misterio / SuspensoDeterminada a se tornar advogada, a jovem Ester deixa a segurança de sua família na pequena cidade de Rio Claro, no interior de São Paulo, para cursar direito na renomada Universidade do Largo do São Francisco, na capital paulista. Com pouco dinheir...