Capítulo 23

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      A semana estava sendo complicada para Roger por conta da audiência de instrução, o julgamento, que tinha sido marcado para uma segunda-feira, e pela visita conturbada do investigador Sherman que o deixou preocupado além, da impressão de estar sendo considerado suspeito no desaparecimento de Ester. Por pouco não esqueceu de confirmar a presença de uma das seis testemunhas arroladas para defesa no caso do frigorífico.

Na sexta-feira pela manhã, recebeu no escritório as seis testemunhas para repassar algumas perguntas e dar orientações sobre o funcionamento da audiência. Apenas uma delas, uma mulher em torno dos quinquenta anos que trabalhava no mesmo setor que Leonardo Correia trabalhava, antes da demissão, o preocupava. A mulher demonstrava insegurança nas respostas e gesticulava de forma exagerada. O comportamento poderia gerar dúvidas à veracidade do testemunho o que poderia favorecer a acusação e até mesmo desqualificá-la pelo juiz uma vez que a linguagem não verbal diz respeito ao valor da prova oral. Mas ele nada poderia fazer, encontrar e convencer essas pessoas a prestar testemunho foi difícil, pois a maioria não queria se envolver com o caso alegando medo de uma possível represália por parte de Leonardo que em alguns momentos se mostrava um indivíduo desequilibrado e violento quando contrariado.

No mesmo dia, à tarde, recebeu o sr. Laerte para conversarem sobre o caso, as perspectivas da audiência e o valor dos testemunhos tanto da defesa quanto da acusação. O final de semana foi inteiro dedicado a releitura do processo, a avaliação do perfil do juiz, inclusive analisando os últimos casos julgados por ele com essa mesma casuística e as sentenças proferidas, bem como a avaliação das seis testemunhas de acusação. Roger vasculhou minuciosamente a vida de todas elas e em dois casos usou os trabalhos de um detetive conhecido na investigação, buscando qualquer coisa que pudesse usar a seu favor no tribunal a fim de desqualificar o testemunho. Pela primeira vez em toda a sua carreira como advogado, não dormiu bem na noite que sucedia a audiência, teve sonhos confusos e aleatórios. Em um deles, Ester surgia no tribunal com a barriga cortada, sangrando e gritando: "assassino, assassino", deixando todos horrorizados. Acordou suando com o coração disparado sem conseguir voltar a dormir. Foi preciso um longo banho de água gelada e algumas doses de café para despertá-lo.

Pontualmente às 8 horas da manhã da segunda feira, encontrou o sr.Laerte juntamente com as seis testemunhas no saguão do Fórum da Barra Funda, a audiência estava marcada para as nove horas. Permanecia inquieto, sem a costumeira segurança que sempre demonstrava nos diversos casos que atuou ao longo da carreira, não saberia explicar o porquê dessa inquietação, se pela noite mal dormida ou pela semana difícil que tivera. O sr. Laerte percebeu a mudança no comportamento do advogado quando este o respondeu com rispidez a uma das testemunhas, um senhor com idade avançada, que só queria sanar uma dúvida à respeito da audiência. Roger percebeu a grosseria pelo olhar questionador dirigido a ele pelo seu cliente e pediu desculpas pelos modos indelicados ao senhor. De longe avistou o pivô da acusação contra o seu cliente, acompanhado pelo advogado, um antigo desafeto de Roger desde os tempos da faculdade. Cumprimentaram -se com um gesto de cabeça.

Faltando quinze minutos para às nove horas, todos os presentes para a audiência foram convocados a adentrar à sala. No tablado, cabisbaixo e com aparência sisuda, estava o juiz provavelmente lendo o processo, ao seu lado esquerdo o auxiliar de justiça fazendo anotações em um livro. Embaixo, na área destinada às partes de Roger, acomodou as suas testemunhas e sentou com o seu cliente aguardando a acusação fazer o mesmo. O juiz abriu a audiência com algumas palavras apregoando as partes e seus respectivos advogados. Os primeiros a serem ouvidos foram às testemunhas de acusação, cinco ex funcionários do frigorífico e um perito contratado pela acusação para validar as fotos e vídeos usadas como provas nos autos do processo. Esse foi o momento mais delicado da audiência para Roger, o que exigiu maior destreza na contestação das provas apresentadas. Na sequência, as testemunhas de defesa foram ouvidas, uma por uma relatou o comportamento distorcido do acusador em diversas situações. Roger aproveitou esse momento para solicitar a inclusão de uma nova prova ao processo, uma carta na manga do advogado. Um vídeo onde o acusador aparece em uma festa, sóbrio, fato enaltecido por Roger, contando a outros quatro homens de que forma iria extorquir o manda chuva do frigorífico, sr.Laerte, chegando a gargalhar descontroladamente durante o relato. O vídeo seria feito pelo o celular de um dos amigos, em um momento de descontração, o que o acusador não sabia que aquilo serviria como evidência criminal e que este amigo, se é que podia chamar assim, concederia a Roger provavelmente a uma transação pecuniária.

Após a apresentação da prova ao juiz, a acusação solicitou o descarte da mesma alegando desespero da defesa. Iniciou-se um bate boca caloroso entre os advogados forçando o juiz a dar por encerrada a audiência por falta de decoro das partes, mas antes aceitou a aquisição da prova ao processo.

Na saída do fórum, Roger ainda foi interpelado pelo outro advogado que o acusou de desesperado e perdedor. Embora desejasse muito revidar as palavras, Roger calou-se e lhe deu as costas para não perder a cabeça diante dos vários repórteres que os aguardavam na porta do fórum.

Nove Meses Para MatarOnde histórias criam vida. Descubra agora