Sherman olhou a antiga fachada, maltratada pelo tempo. Paredes pichadas, janelas quebradas, a imagem da degradação e do abandono compunhavam o cenário. Uma enorme placa amarela indicando que o imóvel estava à venda se destacava em meio à fachada cinza do edifício.À esquerda da entrada viu uma mesa de madeira empoeirada, adornada por um arranjo cafona de flores artificiais, possivelmente de onde, no passado, o vigia ou o porteiro realizava o seu trabalho orientando os clientes. Ao lado notou o quadro de recados com avisos e notificações de despesas e pagamentos atualizados indicando que algumas salas permaneciam em uso. O que não explicava a presença de Roger naquele lugar, uma vez que esse tipo de imóvel comercial contrastava com a opulência do edifício onde a Bittencourt e Callamar se encontrava instalada e dificilmente esta seria utilizada como escritório de advocacia pelo nobre advogado. A não ser que Roger tenha interesse em comprar o edifício, supôs o investigador, e estivesse no local para algum tipo de vistoria ou negociação.
Mais adiante, ao longo de um corredor estreito, haviam dois elevadores interditados por tapumes de madeira e com os botões de comando arrancados denunciando o vandalismo o qual o edifício estava sujeito, restando a Sherman as escadas como meio para encontrar Roger, vasculhando andar por andar.
Sherman percorreu os três primeiros andares sem sucesso, encontrando pelo caminho muita sujeira e degradação, apenas no primeiro andar algumas salas pareciam estar sendo ocupadas, pois haviam placas de identificação nas portas.
Da escadaria de acesso ao quarto e último andar, um ruído alto de correntes lhe chamou a atenção. Apalpou a parte de trás da calça para ter certeza que estava armado e continuou subindo tomando o máximo de cuidado para não fazer barulho. Puxando a sofrida barbixa, notou que seis pelos estavam na palma da mão. Como a porta antechamas, que dividia os andares, estava entreaberta nesse andar, pôde observar pela fresta a movimentação. Uma mulher de estatura baixa e cabelos cacheados na altura dos ombros entrou em uma das salas empurrando um carrinho de bebê. Sherman passou a ouvir vozes exaltadas vindas daquele lado, mas não conseguia compreender o assunto por conta da distância. Saiu então da escadaria para se aproximar da sala onde a jovem havia entrado, se alojou em uma outra sala que estava aberta e repleta de entulhos, mas próxima o bastante para lhe permitir ouvir o que se passava lá dentro.
Embora tenha conseguido identificar que a discussão se dava entre um homem e uma mulher, não reconheceu de imediato as vozes pois o homem parecia bastante rouco. Em determinado momento, Sherman escutou a voz masculina dizer: "Ester", entremeado com outras palavras dais quais não identificou. Por pouco não derrubou a cadeira a que estava apoiada, tamanha a surpresa ao escutar aquele nome. Agora compreendia o porquê da pressa de Roger e qual era o motivo que lhe trouxe a este lugar: Ester. Mesmo sabendo que poderia ser descoberto, mas sem conseguir se conter diante da descoberta da jovem estar viva, foi agachado até à sala ao lado de onde se dava a discussão, permanecendo escondido atrás da porta. Acionou o gravador do seu celular enquanto escutava os detalhes da sórdida história que cercava a relação entre Roger e a jovem Ester. Passados alguns minutos o homem gritou: "Que dor porra!".
Até aquele momento, Sherman somente escutava a discussão, mas diante daquele grito teve que se arriscar em ser descoberto para ver o que realmente acontecia naquela sala. Ainda agachado, foi até o canto da porta da sala onde ocorria a discussão, para a sua surpresa viu Roger nu, preso por algemas a barras de ferro com Ester de costas ajoelhada ao seu lado lhe apertando os testículos e com a outra mão segurando uma faca. Roger estava sendo torturado por Ester, concluiu. De repente Ester levantou, Sherman se escondeu novamente e aguardou. Ester saiu da sala com evidente irritação, pôde notar. Como durante a discussão Roger havia afirmado que todo o plano do aborto havia sido obra de Camila e disse ter provas do envolvimento dos dois em fotos no celular, Sherman julgou que Ester deixou a sala para comprovar a história indo buscar o celular de Roger em algum lugar naquele andar.
Minutos depois, Ester voltou com o aparelho em mãos, a discussão reiniciou até que o barulho de algo espatifando foi ouvido. Sherman ficou em alerta, a jovem parecia fora de controle e muito perturbada. Novamente ele foi ver mais de perto o que estava acontecendo. Roger estava desesperado e chorando, Ester contava que havia matado o médico e que ele seria o próximo seguido por Camila. Sherman compreendeu que Ester havia enlouquecido possivelmente por tudo o que passou e buscava vingança a qualquer custo, matou o médico friamente e agora tinha Roger subjugado, sem chances de defesa. Era notório o risco que Roger estava correndo, seria preciso intervir ou um derramamento de sangue colocaria fim a dramática trama. Quando Ester novamente, ajoelhada ao lado de Roger, ergueu a faca em um sinal claro de que iria perfurar Roger com a intenção de lhe tirar a vida, Sherman praticamente se jogou em cima da jovem para evitar o assassinato, a desarmando. Ester debatia-se sob o investigador que tentava acalmá-la falando baixo como se a mesma fosse uma criança, manobra aprendida pelo investigador em um curso de gestão de situações de risco. Roger parecia em choque, não dizia nada como se tivesse entrado em um universo paralelo, Ester agora chorava acomodada nos braços do investigador. Sherman aproveitou a súbita calmaria para pedir reforços ao departamento de Polícia e uma ambulância.
– Que bom que o senhor chegou, investigador! Esta mulher é uma assassina! Uma louca! Matou o doutor Phillipe e, por pouco, também me mata.
– Certo, dr. Roger. – disse Sherman algemando Ester e, em seguida, para surpresa do advogado, também o algemando.
– Ei, o que o senhor está fazendo?
– Dr Roger, por ora o senhor está detido suspeito de ilicitude ao dopar a senhorita Ester e tirá-la o filho através de aborto. Você conhece os trâmites, tem direito a um advogado e o que disser a partir de então será usado contra você no tribunal.
– Isso é um absurdo! – vociferou Roger. – Que provas você tem de tudo isso que está falando?
– Tenho todas as provas, e logo serão apresentadas ao meu superior.
– Irá pagar caro por isso, investigador!
– Nos veremos no tribunal. – encerrou Sherman levando os detidos para a prisão.
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Nove Meses Para Matar
Gizem / GerilimDeterminada a se tornar advogada, a jovem Ester deixa a segurança de sua família na pequena cidade de Rio Claro, no interior de São Paulo, para cursar direito na renomada Universidade do Largo do São Francisco, na capital paulista. Com pouco dinheir...