Capítulo 26

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      Uma pilha de documentos entulhava a outrora organizada mesa do escritório de Roger. Eram dossiês de suma importância para o famigerado caso do frigorifico, como depoimentos contundentes que ratificavam extorsão da parte de alguns funcionários do senhor Laerte. Subitamente veio a lembrança de Ester ali, sentada em meio àquele amontoando de papéis, as pernas cruzadas, a calcinha ausente, o sorriso na face como que implorando para ser possuída pelo membro do advogado. Não tinha dia que não pensava na moça, não como uma espécie de saudade carismática, daquela que aperta o coração e afugenta a alma; era na verdade uma ânsia ardente de estar a hora que quisesse entre as pernas da funcionária. A preocupação, deverás, vinha. Como será que ela está? Por onde anda? Será que ainda está viva? Essas perguntas vinham na cabeça como se fossem seus próprios deveres do dia a dia.

Para aliviar toda a tensão, ligou para a senhorita Francesca, a mesma que encontrou por acaso no aeroporto. Desde aquela dia, sempre se encontrava às escondidas com a jovem. Adorava fazer sexo com a moça. Não por ser uma garota de vinte e poucos anos, um corpo atraente e que não pegava no pé. Sentia todo este tesão pelo modo como a jovem fazia sexo. Se entregava totalmente, sem exclusões. Dizia que o sexo não era algo que se podia limitar. Valia tudo, sem frescura alguma, e isto enlouquecia Roger.

Por volta das dezoito e trinta, após uma jornada exaustiva no escritório, saiu, rumo ao encontro com a jovem. A tarde fora fria em São Paulo, e, à noitinha, caía uma tempestade. A chuva fustigava o para-brisa do vinho Corolla, o trânsito também estava congestionado o que deixava os condutores irritadiços com sons de buzinas para todos os lados, o que era, na verdade, abafado pelo barulho da queda da chuva. Sobre o caso que estava resolvendo, até que não estava preocupado. Para ele, aquilo já estava ganho e mais uma vez o seu nome se repercutiria nas páginas dos jornais positivamente. Em casa, com a esposa, tudo havia se suavizado; a senhora Bittencourt estava tão empolgada com os preparativos para a festa de quinze anos da filha mais velha que já nem dava tanta importância a rotina do marido.

A chuva se amenizou assim que estacionou o carro de frente ao condomínio País Tropical. Uma jovem atraentemente bem vestida já o aguardava tremendo os dentes na parada do ônibus. Pulou duas poças d'agua e subiu no automóvel. Beijou os lábios do amante e a louca chama aos poucos esquentava o corpo. A moça vestia uma saia branca com respingos de chuva, uma blusa preta onde um azul estampado circundava suas bordas e algumas bijuterias que adornavam o pescoço e braços.

– Já percebeu como a chuva não vai com a nossa cara? – disse a garota.

Roger sorriu, verificando o retrovisor e jogando o pisca-pisca para esquerda.

– Não, por quê? – perguntou.

– Porque toda vez que marcamos o nosso encontro ela vem como que impedindo de nos encontrarmos. Droga, já são tão poucos os dias.

– Infelizmente são os únicos dias que tenho. – respondeu Roger, não como uma resposta ríspida, mas como uma justificativa. – Por mim seriam todos os dias. Você sabe muito bem disso, senhorita Francesco.

A moça sorriu, um sorriso não muito convincente; mas, para descontrair um pouco, disse:

– E você por um acaso aguentaria todos os dias? Você sabe como eu sou.

– Pode ter certeza que sim. – disse Roger, seriamente, com o sexo latejando.

A excitação dos dois era tamanha que dispensaram o passeio que haviam planejado, um jantar no centro da grande São Paulo. Adentraram no País Tropical, arrancando as roupas pelo caminho. Safada, já o esperava sem a calcinha o que facilitou para Roger possui-la no balcão da pequena cozinha. Transaram várias vezes naquela noite, a garota estava insaciável. Por pouco Roger tropeçara com o tamanho fogo da moça. Pela primeira vez a diferença de idade com gatotas começou a pesar no desempenho do advogado que sempre fora incansável na cama. Dessa vez a maratona o deixou tão exausto que acabou adormecendo, para deleite da senhorita Francesco que fez várias selfs nua ao lado do advogado. "Uma lembrança, apenas".

Após a seção de fotos, também caiu pesadamente de sono. Assim que o dia clareou, a jovem desceu até a padaria da esquina pra comprar algumas guloseimas para o café da manhã e fazer uma surpresa para Roger.

Deixou a padaria comendo um croissant de queijo recém saído do forno e carregando duas sacolas com leite, pães e frios. Aproveitou que a banca de jornais estava abrindo para acompanhar algo de relevante nos noticiários. Comprou uma revista de moda e, enquanto aguardava pelo troco, deu uma olhada nas manchetes de um dos jornais mais vendidos na cidade. Começou a folheá-lo chegando até a parte policial que exibia a seguinte manchete:

"Médico é encontrado morto em situação misteriosa na zona portuária de Santos".

Logo abaixo vinha a foto de um homem morto com os olhos arregalados de pavor. A foto associada à palavra médico lhe pareceu familiar, e passou a ler a reportagem a procura do nome da vitima.

O médico, o doutor Phillipe Batista, foi encontrado morto no seu próprio veículo, esfaqueado com um corte horizontal no ventre, na madrugada de domingo numa área deserta da zona portuária de Santos. Não havia sinal de luta corporal ou arrombamento. O corpo foi encaminhado para o IML e os peritos fizeram a perícia do veiculo e no entorno  em busca de provas.

Horrorizada com o reconhecimento de que o médico morto fora o mesmo que a própria havia indicado a Roger para fazer o aborto de Ester, dispensou o troco pegando o jornal no lugar correndo para o condomínio Pais Tropical. Encontrou Roger de cueca sentado em uma poltrona com os braços cruzados.

– Me deixou trancado aqui, Camila. Por que? – perguntou zangado.

– Fui na padaria comprar o nosso café. Mas isso não importa. Veja essa reportagem? – disse jogando o jornal em cima dele.

Com o jornal nas mãos disse:

– Está lendo jornal sensacionalista agora, senhorita Camila Francesco? Desde quando se preocupa com a violência na grande São Paulo?

– Deixa de ser bobo e leia a reportagem.

Roger segurou o jornal, como o pai fazia nas manhãs de domingo, em sua folga. Aquilo lhe causou certo desconforto. A lembrança do pai sempre lhe trazia aversão. A notícia que lera, caldeado a aversão e a perturbação ao lê-la, trouxe-lhe uma feição sinistra, funesta. A senhorita Francesca sentiu a perversidade na face do amante, então perguntou:

– Você está bem, amor?

– Porra! Não pode ser! O cara está morto! Assassinado!

– Estranho, não acha?

– De certa forma. Ele me confidenciou que gostava de mulheres mais novas, às vezes menores. Não dispensava prostitutas nas ruas. No mínimo passou dos limites nas pancadas e a prostituta ou o cafetão se vingou.

– Vendo dessa forma tem lógica, ainda mais com esse gosto estranho para o sexo. Mas na hora que li a reportagem só pensei no aborto da Ester e no seu sumiço.

– Não, não. Ester é página virada. – disse ele demonstrando uma segurança fingida. – E mesmo que esteja viva, deve estar jogada em um lugar qualquer vivendo como uma desconhecida, despersonalidaza, ou sabe lá o quê, do contrário já teria aparecido. Não acha?

– Tomara! Porque se essa garota reaparecer, eu nem sei o que pode acontecer. 

– Vira essa boca pra lá Camila! Se ela, no caso, aparecer um dia, antes dela pensar em abrir aquela boquinha eu acabo com ela. Entenda uma coisa Francesca, ninguém atravessa o meu caminho e não ser punido. – disse em tom de ameaça. – E quanto a este idiota, que merda! Era para estar longe, em outro país. Pelo menos agora não é mais uma ameaça quando provavelmente for morto por mulheres da rua.

– Você tem razão. Vamos tomar café agora. – disse Camila para não transparecer o medo com aquela velada ameaça.

Nove Meses Para MatarOnde histórias criam vida. Descubra agora