Capítulo 34

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Sherman deixou a delegacia com mais perguntas do que quando entrou, muitas delas oriundas do livro de registros. Não poderia voltar para São Paulo sem saber se Ester esteve naquela clínica fazendo um aborto. Para sorte do investigador, no início do relatório que leu na delegacia sobre o assassinato do médico, havia o endereço da clínica, Sherman, que sempre teve uma memória excelente, memorizou o endereço do local e sem tempo a perder e ansioso por respostas saiu em busca da sua própria investigação.

Como Sherman imaginou, a clínica ficava localizada em uma rua transversal com poucos imóveis no centro da cidade de Santos. Da rua era possivel notar os primeiros sinais de abandono da mesma pela grama alta que cobria o portão de entrada, fitas amarelas usadas pelos peritos da polícia isolavam o local. Nos muros que a cercavam haviam várias pichações com frases de ódio, como: "Assassino, você queimará no inferno"ou "Filho do demônio", escritas em um vermelho vivo semelhante a sangue fresco. Sherman estacionou o carro a uma distância segura e permaneceu a observar o movimento da rua. Quando tudo parecia mais calmo e sem transeuntes, saiu do carro e seguiu em direção à casa. Pulou o muro sem dificuldades, uma vez que não era muito alto, observou um grande cadeado na porta da frente além da fita de isolamento impedindo a sua entrada, contornou a casa agachado para não ser visto, duas janelas preenchiam a fachada lateral. Tentou abri-las, mas ambas pareciam travadas por barras de ferro, então permaneceu agachado quase rastejando até os fundos do imóvel onde havia uma porta sem cadeado bloqueada apenas pela fita amarela. Sherman retirou do bolso lateral da calça um saquinho contendo alguns objetos úteis para abrir portas e uma pequena lanterna, manobra muito utilizada em investigações sem mandato de justiça. Com luvas nas mãos para não deixar impressões digitais, usou dois grampos de cabelo e um pouco de jeito para destravar a porta, passou pela fita de isolamento com o máximo de cuidado para não rompê-la e adentrou o imóvel.

O odor de mofo caracteristico de ambientes fechados deixava o ar desagradável. Como entrou pelos fundos, o primeiro cômodo que encontrou foi uma pequena cozinha separada da lavanderia por uma porta sanfonada, com a lanterna em mãos olhou os armários, as gavetas, mas nada de diferente encontrou. À frente, um estreito corredor com dois banheiros identificados pelo gênero desembocava na recepção e sala de espera, pela disposição da mobília era notória a organização do ambiente. Sherman vasculhou os prontuários, as agendas de consulta, todos os indícios em um primeiro momento mostravam que no local funcionava uma clínica médica comum. Porém, agora era de conhecimento público que ela guardava um segredo, um segredo obscuro do seu dono mantido por muito tempo sobre o manto da hipocrisia da sociedade. O computador fora levado pela polícia para perícia restando apenas os cabos deixados a esmo no chão da clínica. Uma escada adjacente a recepção levava ao andar superior. Não foi surpresa para Sherman encontrar ali os consultórios, três no total cada um com um banheiro. Os dois primeiros compostos por uma cama para exames, uma mesa com cadeiras além de balança médica e aparelho para aferir a pressão. O terceiro e o mais aguardado por Sherman era o consultório do Dr Phillipe, uma grande mesa ginecológica no centro da sala dividia espaço com uma estante repleta de medicações e um armário de instrumentais de uso ginecológico, como especulos e pinças, bem como uma mesa com cadeiras para consulta, além de exames ginecológicos de rotina. Novamente Sherman vasculhou os armários, as gavetas, cada canto foi averiguado com precisão mas nada encontrou que pudesse correlacionar a Ester. Inclusive o banheiro do médico foi especionado e diferente dos outros consultórios este tinha chuveiro e todo o tipo de produtos de higiene, o que Sherman achou bastante peculiar.

Desanimado com a parca investigação, sentou em uma das duas cadeiras do consultório repassando mentalmente a conversa que teve com o delegado para quem sabe lembrar de alguma informação que passou desapercebida. Com o queixo apoiado no dorso da mão analisava os fatos com o olhar fixo no belo piso vinilico do consultório que seguia um padrão de cores alternando do verde para o branco. Observador, notou que embaixo do armário de medicamentos o padrão era interrompido pela cor verde sendo repetida e um pouco desbotada em relação ao restante do piso. Com cuidado removeu o armário de medicamentos para o lado expondo aquele pedaço do piso. Com o punho cerrado bateu no piso para averiguar se havia alguma diferença de ruído, e para tal observou que o piso desbotado tinha um som diferente dos demais. Tateou a emenda que unia os dois pisos até encontrá- la, ao tentar remover o piso desbotado, notou que ele não estava colado, e sim apenas encaixado. Ao retirá- lo se deparou com uma caixa em madeira talhada. Com cuidado a retirou do buraco que a escondia e a depositou sobre a mesa de consulta. O conteúdo da mesma era muito mais do que Sherman esperava. Documentos com foto de várias mulheres, peças íntimas e jóias etiquetadas com nome e data, era uma espécie de porta troféus dos abortos que fez ao longo dos anos. Sherman pôde perceber que o médico possuía uma mente além de doentia, macabra.

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