Mais um dia de audiência vinha, e com ela a tranquilidade de Roger. Tinha o caso nas mãos, as provas todas gravadas em áudios e vídeos dos próprios ex funcionários ameaçando o senhor Laerte. Laerte alegava serem autênticos tantos os áudios como o vídeo. Decerto que esta prova não livraria a cara do seu cliente, mas era um bom subterfúgio para diminuir a lesão de sua fortuna ou uma improvável prisão.Saiu de casa junto com a família após um abastado café da manhã. Frutas, bolos e um bom chocolate quente acompanhou a mesa com as duas filhas sempre falantes e sorridentes. A esposa com o diurno sorriso na face. Aquele sorriso compelido que lhe trazia tantas rugas no rosto. Era difícil sorrir perto de Roger. Sempre foi. Desde que o conhecera e o deixara sem jeito com Roger lhe comendo com os olhos, como que dizendo: quero você, custe o que o custar.
Roger recusou o motorista particular e levou as crianças até ao colégio. Quando tinha audiência, sempre gostava de estar atento, e o trânsito era uma ótima forma de começar o dia exercitando a mente. Do colégio, seguiria para o escritório que por sinal ainda estava fechado apenas para pegar uma papelada importante referente à audiência.
A manhã passou devagar com um tempo fechado, porém abafado. Às dez horas em ponto, já estava sentado ao lado do seu cliente no tribunal. O advogado de acusação, o doutor Emanuel Vasconcelos, homem que Roger odiava apesar de sempre tomar uns drinques juntos quando se encontravam nos chiques bares da cidade de São Paulo, apresentou duas testemunhas novas; um antigo sócio do senhor Laerte e um senhor de aproximadamente sessenta anos que trabalhava como açougueiro no frigorifico. A primeira testemunha alegou ser um dos homens que levara o senhor Laerte para o ramo da carne. O homem, que se chamava Cláudio Rodrigues, começou trabalhando na feira com seu pai quando ainda tinha quatorze anos. Conheceu Laerte na faculdade e, já por aquela década, Laerte já se mostrava um homem ambicioso e prepotente. Claudio Rodrigues alegou, no entanto, que gostara do jeito daquele jovem; disposto a ser um alguém a frente de todos, e que achava muita gente preguiçosa neste mundo. Quando terminaram a faculdade de administração, os dois resolveram montar juntos um açougue em Barra Funda, centro da cidade, um ponto comercial que pertencera ao próprio Claudio Rodrigues cedido por seu falecido pai. O açougue prosperou como os dois sonhavam. Logo ampliaram o negócio comprando um comércio adjacente que fechara as portas. Dentro de dois anos o açougue era um dos mais conhecidos do bairro. Pessoas vinham de outros lugares para comprar no açougue. A carne era sempre fresca, limpa e a higiene era a prioridade. No entanto, devido a umas séries de doenças envolvendo a carne bovina, o estabelecimento dos sócios caíra de produção. As pessoas se recusavam a comer carne, mesmo sendo de uma boa qualidade como era dos amigos. Foi quando Cláudio Rodrigues cortou relações de sócio com Laerte que não estava mais satisfeito com a sociedade.
Era neste ponto que o advogado de acusação queria chegar. Por que a insatisfação de Cláudio Rodrigues em desfazer a sociedade visto que gostava de Laerte. Cláudio fez seu juramento perante a constituição, olhou de relance para o ex sócio e alegou:
– Meu ex sócio por vezes adquiriu carnes de terceiros sem meu conhecimento.
Aquele depoimento caiu como um raio na cabeça de Roger. Não esperava por tal alegação. Tentou intervir ao depoimento, porém foi negado pelo juiz. Cláudio Rodrigues tinha até em mãos as notas fiscais feito à mão da época das vendas. Por sorte guardava estes documentos em pastas e armários. As notas ratificavam que as compras feitas na época eram feitas de formas negligentes, que a carne era de fato questionável. Para piorar ainda mais a situação, o advogado de acusação chamou então o senhor José Mendes a que trabalhou uma época com Laerte. O homem tinha apenas o polegar na mão esquerda. Perdera todos os quatro dedos quando trabalhou com o então Laerte, num açougue insalubre, quando desfez a sociedade com Cláudio Rodrigues. O açougue não tinha os maquinários necessários para se trabalhar, eram grosseiros, primatas, algo incomum para hoje. Seus dedos foram decepados por um afiado machado quando desossava uma banda de boi. O homem foi aposentado por invalidez e não recebeu indenização muito menos uma carta de condolências por parte de Laerte. E mais, não terminou por aí, o açougueiro alegou que por vezes adoecera devido à carne estragada que o homem vendia. Era uma carne com excremento que exalava um odor repugnante. Laerte lavava a carne tirando o pus e a vendia como se fosse uma carne própria para o consumo.
Roger, com a cabeça girando, pediu uma um prazo à audiência. Não tinha mais como prosseguir. Perdera todas suas cartas depois daqueles depoimentos inegáveis. Fora da audiência, Roger foi pressionado por uma multidão de repórteres e fotógrafos. Roger levantou a mão em um gesto negativo e seguiu para o gabinete do senhor Laerte onde tiveram uma longa conversa. O homem confirmou que de fato trabalhou com Cláudio, mas que as notas fiscais e o que alegava dizer era tudo falso. Roger questionou, pois aquilo tudo parecia plausível. O açougueiro, com apenas um polegar na mão, o caso da insalubridade também confirmada por ele, aquilo tudo estava nas mãos do ju8z, promotor e réus. Aquilo era uma bola de neve que destruía todas as teses do advogado.
Encerrou o assunto marcando mais uma conversa na manhã seguinte. Precisavam correr em buscas de refutações. O humor de Roger agora era outro. Levantou o vidro do carro para soltar um barbeirão para um condutor que por pouco não bate o seu carro. Na verdade, nem estava consciente para saber se era o homem o errado, ou ele próprio. A cabeça estava quente apesar da manhã nublada. Seguiu até à advocacia. Por sorte não tinha aula para lecionar naquele dia. O que fora até bom. Na recepção, Roger encontrou um animado Paulo que lhe desejou bom dia. Roger apenas meneou a cabeça e o garoto logo percebera que a audiência não tinha sido nada boa. Alguma coisa havia saído errado. Não quis perguntar nada para o chefe, era antiético. Advogados, quando querem, são demasiados arrogantes. Antes de bater à porta para entrar em sua sala, o garoto disse:
– Doutor, há uma encomenda para você.
Roger franziu o cenho. O cavanhaque meio louro e grisalho brilharam. Paulo o achou super atraente naquele instante.
– Encomenda?
– Sim. – disse Paulo tirando de uma portinhola ao seu lado. – Aqui está. – disse entregando ao advogado.
Roger viu uma pequena caixa embrulhada num papel de presente infante. Ficou demasiadamente curioso.
– O que será? – disse mais para si. Paulo dobrou as bochechas também num gesto de interrogação. – Tá bom, obrigado. – Encerrou entrando em sua sala.
Deixou a caixa em cima de sua mesa e checou rapidamente seus e-mails. Olhou para aquele embrulho e começou a desembrulhar como uma criança desembrulha um presente. "Isso só pode ser coisas das meninas", pensou sorrindo. Após tirar o papel de presente, Roger abriu a caixa e, dentro dela, havia mais um embrulho fitado por um laço. Desenlaçou o presente e, ao presenciá-lo, espantou-se. Era um sapatinho rosa de um bebê, e, dentro dele, havia um dizer: "Parabéns, papai, Roger". Num nefasto espanto, Roger esbofeteou a caixa para longe, o sapatinho de bebê caindo para outro lado. A respiração ficara fugaz, o suor da tez caía como cachoeira. Não sabia o que raciocinar, talvez fora isto o que mais assombrou Roger.
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Nove Meses Para Matar
Misterio / SuspensoDeterminada a se tornar advogada, a jovem Ester deixa a segurança de sua família na pequena cidade de Rio Claro, no interior de São Paulo, para cursar direito na renomada Universidade do Largo do São Francisco, na capital paulista. Com pouco dinheir...