Vitor ainda não tinha quinze anos quando ganhou de seu pai o primeiro bote de pesca. O presente era modesto: nada mais que um pequeno barco descartado pela empresa da família, equipado com algumas varas e redes. Depois de aprender com tanta facilidade o ofício, o menino tinha agora em suas mãos as ferramentas necessárias para conseguir sustento por tempo indeterminado. Como o adulto que acabava de se tornar, só precisava seguir o curso natural de qualquer outro pescador de Canelo, até que um dia, eventualmente, a morte o levasse consigo.
Não que qualquer um que realmente o conhecesse pudesse acreditar que Vitor se tornaria um pescador como seu pai. Além da falta de afinidade com uma vida de trabalho duro e honesto, herdou da avó o maxilar largo e o queixo bifurcado. Portanto, como todos os outros primogênitos de sua linhagem que levavam consigo tão marcantes características faciais, ele nascera com o destino traçado. Da mesma forma que seu bisavô havia fundado a pequena empresa de pesca e que a sua avó se tornara uma pirata conhecida na região, Vitor estava condenado à grandeza. E da mesma maneira que o bisavô havia sido assassinado por um concorrente invejoso e a avó executada pelo exército, Vitor estava condenado a uma morte prematura.
O ceticismo do jovem não permitia que sentisse medo das profecias em torno de seu rosto, e mesmo em momentos de insegurança sempre podia recorrer à crença nunca questionada por nenhum habitante daquela ilhazinha: O Mar não admite mentiras. Pune os maus e recompensa os bons. Seu bisavô era lembrado pela sua avareza e a avó pelo sadismo, mas ninguém conseguia apontar nenhum tipo de maldade em Vítor. Era um adolescente calmo, inteligente e pouco ambicioso, e em suas atitudes não havia sombra de crueldade.
Mesmo assim, ao completar dezessete anos, Vitor abandonou a pesca para sempre. Seguindo o exemplo de outros jovens destemidos, se sentiu tentado a testar as habilidades de mergulho tão logo ouviu boatos de grandes pérolas encontradas nas grutas submarinas do Mar de Fora. Vendeu os equipamentos de pesca e o dinheiro lhe garantiu alimento enquanto participava de sucessivas excursões junto a outros homens e mulheres de sua idade atrás dos pequenos tesouros.
Dois anos mais tarde Vitor estava irreconhecível. Magro, sujo e pobre. Depois que a primeira onda de mergulhadores já havia desistido perante a raridade das pérolas, ele era um dos únicos a continuar tentando. "Será essa a sua ruína", pensavam os familiares enquanto assistiam o garoto calmo e criativo se transformar em um homem masoquista e lunático.
Mas aconteceu! Com vinte anos de idade, Vitor encontrou uma pérola. Não uma pérola comum, mas grande e dourada. Completamente redonda, de superfície lisa sem imperfeições. Era linda. Apesar da tentação de usar a joia para pedir sua namorada em casamento, Vitor foi esperto e a vendeu para piratas do Porto de Fora. Com a fortuna que sobrou conseguiu construir uma casa em frente à Praia de Fora, comprar um barco de verdade e ainda encomendar uma aliança para o seu casamento. Ana, costureira da vila, não pensou duas vezes antes de aceitar o matrimônio. Vitor construiu um ateliê junto à casa, possibilitando que os trabalhos de sua esposa garantissem ao casal uma vida estável. Apesar da simplicidade, viviam com mais conforto do que a maioria dos outros moradores da ilha. "Agora é hora de parar", pensou Vítor. "O Mar me concedeu o que acho que mereço e devo me contentar com isso antes que ele me mate pela minha ambição".
A partir de então, ele só mergulharia por diversão. Quando tinha vontade, carregava a embarcação até a praia de dentro e disputava a pesca com os outros aldeões. Na maior parte do tempo, entretanto, navegava no mar em frente à sua casa. Levava a esposa para passear, ou simplesmente permanecia horas seguidas balançando ao movimento das ondas, olhando fixamente para o horizonte. O que sentia em relação ao mar era mais profundo do que respeito ou devoção. Era a mais sincera gratidão. Vitor era um bom homem e por isso vivia bem. Sentia que o mundo era justo. Por isso, passaria o resto dos seus dias em agradecimento.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Prisma
FantasySobrevivente de um naufrágio, o navegador Romeo, introvertido e covarde, se vê perdido em uma ilha desconhecida. Sozinho, ele precisará encontrar os próprios meios de localizar seu irmão mais velho, de quem foi separado durante a tragédia. Entreta...