31- SILÊNCIO

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"Prepare o navio para partir enquanto eu cuido disso. Você ainda é inexperiente e muito fraco."

É o que diria meu irmão antes de enfrentar outro grupinho de ladrões atraídos por nossa pequena fortuna. Mesmo assim, eu era forte o suficiente para virar a roda do leme, soltar as cordas e fazer todo o trabalho pesado sozinho. Aquela era apenas uma maneira gentil de dizer que eu não seria capaz de lutar.

Não sei até que ponto Thomas acreditava nas próprias palavras e na minha fragilidade, tantas vezes usada para ofuscar maiores problemas de caráter. Eu mesmo só percebi agora: ser fraco nada tem a ver com ser covarde.

Meus olhos já estão se acostumando com o escuro e sou capaz de ver a silhueta dos móveis do outro lado do quarto. Vejo um armário alto de duas portas, as quais deixo abertas por força do hábito. Está vazio. Vejo um baú pequeno demais para esconder alguém. Em cima dele amontoamos nossos pertences descuidadamente, afinal, organização é dispensável quando não se carrega praticamente nada. Por fim, vejo uma grande cadeira de jantar, aparentemente perdida por ali, uma tentativa de tornar aquele canto um pouco mais aconchegante.

Os móveis de madeira escura contrastam com as vigas amareladas das paredes e do chão, o que faz com que apenas seu contorno seja nítido. Eu teria certeza de que há alguém dentro do armário aberto, em meio à escuridão, olhando para mim, caso não estivesse acordado e atento desde o momento em que o lampião se apagou.

Não há nada na parede à minha esquerda além de uma janela, através da qual o quarto recebe um pouco da luz fraca da rua. Do lado direito apenas a porta. É a pousada mais luxuosa que eu já visitei. Nem por isso me sinto tão confortável quanto me sentiria em minha cabine, no convés de Vitória. Estou em uma grande cama, sobre grossas camadas de acolchoado, Tony dormindo como uma pedra ao meu lado.

Se eu não o conhecesse tão bem, pensaria que meu capitão está fingindo. Em primeiro lugar, está deitado de barriga para cima, o corpo reto e as mãos juntas como se estivesse morto, em seu funeral. Além disso, ninguém conseguiria pegar no sono depois da noite terrível que tivemos. Mas ele consegue. Ele é Tony Caleidoscópio, pode dormir quando e como quiser.

Enquanto isso continuo sentado aqui, o olhar alternando entre a janela, a porta e o guarda-roupa. Entre o assassino que virá da rua, a visita indesejada da hospedeira e o tritão que me observa de dentro do armário.

O vinho encoraja minha mente cansada a se perder em divagações ao passo que o medo me faz questionar: por que eu estou aqui? Quando me recusei a escolher um caminho, eu sabia que estava escolhendo seguir com Tony. Eu sabia que estava escolhendo o caminho mais arriscado. O pior caminho.

Tony quer ser um herói e eu sou apenas um covarde. Covardes não seguem os heróis, nem os malucos.

Covardes seguem pessoas razoáveis e, principalmente, fortes. Eu, no entanto, desperdicei a oportunidade de ficar com Zenit para acompanhar Caleidoscópio até aqui. Durante as últimas horas, enquanto ainda estávamos todos extasiados pela magnitude da sociedade que acabamos de conhecer, isso havia me parecido uma boa ideia, o que só prova que estou ficando burro de tanto conviver com ele.

Agora já não há nada mais que se possa fazer. Estamos sendo perseguidos. Será um milagre se sobrevivermos a essa noite. Não estou exagerando. Talvez eu devesse abrir as janelas, dormir e esperar não sentir muita dor. Talvez eu devesse pedir alguma ajuda da hospedeira. Não. Não confio nela. Ela poderia nos vender para o assassino. Nos desmaiar não seria difícil e renderia um bom dinheiro.

Me restam, portanto, duas opções: a primeira delas envolve fugir para o navio e abandonar Tony para a morte. A segunda opção é ficar e lutar caso alguma coisa aconteça. Não sei qual é mais absurda. Sem conseguir me decidir, permaneço aqui parado, a adaga na mão, o olhar fixo na janela. Passos no corredor. Viro para a porta instantaneamente e abaixo a adaga, preparado para fingir que estou dormindo caso Martha guarde uma cópia de nossas chaves.

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