27- BIANCA

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Acordei com o sol na cara e o som de passos ao redor da minha cabeça. Uma dúzia de marujos trabalhava para o preparo de refeições, a manutenção dos dormitórios, que aparentemente ficavam no segundo convés, e a limpeza da embarcação. Fiquei de pé e verifiquei os ferimentos enquanto me dava conta de que o navio era muito maior do que o que eu velejava com Zenit. Na realidade, não tinha certeza se conseguiria manobrá-lo sozinho. 

Alguns riram da situação em que eu estava, mas a maioria simplesmente ignorou a minha existência. Me ajoelhei diante de um balde no qual o cozinheiro mergulhava uma cumbuca tosca, pegando a água para fazer render a sopa, e bebi o máximo que pude com as mãos em concha. Depois, fui atrás dos meus pertences na cabine principal. Apesar dos olhares de reprovação, invadi o cômodo sem pensar duas vezes.

— Finalmente acordou. — Ouvi a voz de Tony atrás de mim enquanto revirava a bagunça de seu quarto. Dei um pulo e me encolhi, no chão. Precisava fingir que não sabia onde estava. O meu falso susto fez com que Caleidoscópio caísse na gargalhada. — Qual a última coisa que se lembra? — Ele perguntou, sentando sobre a cama depois que eu "recobrei a calma".

— A comida maravilhosa do Rick. Você e Zenit estavam brigando sem motivo.

— Sim, e depois disso você caiu duro no chão. Zenit admitiu que não tinha coragem o suficiente para nos seguir nessa expedição e implorou para que resgatássemos o Levi. Agora estamos nos preparando para sair de Flora, para o oeste. Levante do chão e prepare-se para pegar o leme dentro de uma hora.

— As minhas coisas ficaram para trás?

— Estão aqui. — Ele estendeu o saco que tinha recolhido na noite anterior. Remexi o conteúdo e percebi que algumas coisas importantes tinham ficado para trás. Perdi minha capa de macaco, a fotografia de Tam e o cartaz de procurado com o rosto de meu irmão. Em contrapartida, Caleidoscópio tinha trazido um pouco de lixo e algumas tranqueiras desnecessárias junto com os meus pertences.

Empunhei minha bela bússola de sereia e comecei a preparar os meus mapas, no chão, ao lado da roda do leme. O dia estava ensolarado, sem possibilidade de chuva. Por isso, espalhei minhas coisas no primeiro convés sem grandes preocupações.

— Atenção! — Tony gritou depois de subir no elegante castelo de meia-nau do veleiro. Em menos de um minuto, todos estavam em silêncio, o olhar fixo no pequeno capitão. — Hoje é um dia de festa. Recrutamos o último integrante de nossa tripulação. A partir de hoje, navegadores, estarão sob o comando do Romeo. Em minha ausência, ele quem dá as ordens. — Apontou para mim.

Uma mulher de meia idade e um garoto corpulento subiram no castelo de proa e se colocaram à disposição. Lhes dei ordens para manejar as velas, agora mais seguro de que conseguiria manobrar aquele gigante.

— Trabalharemos até o pôr do sol. — Continuou Tony. — Depois, quando já estivermos bem encaminhados, abrirei um dos barris de vinho e vamos festejar noite adentro! — A tripulação gostou das boas novas. Com alguns gritos de comemoração, obedeceram suas ordens seguintes com prontidão.

Incrível. Aos olhos de desconhecidos, Tony parecia um capitão formidável.

Naveguei com máxima concentração, seguindo impecavelmente meus métodos pessoais e verificando nossa localização de cinco em cinco minutos. Aquele veleiro era potente demais para que eu me desse ao luxo de viajar sem rumo. Além disso, nenhum de nós sabia exatamente onde as ilhas regidas por Hugo estavam. 

Seguíamos a direção indicada pelo mapa de Lorde Tritão, na esperança de esbarrar com o arquipélago mais cedo ou mais tarde. Não era a forma mais adequada de seguir viagem, entretanto, aquilo não me preocupava. Caixas de suprimentos entupiam os depósitos e eu estava mais consciente de nossa localização do que nunca. Se tudo mais falhasse, ainda podia voltar para Zenit.

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