16- TAM (Parte I)

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O gigante foi a primeira coisa que me veio em mente. Tony reagiu mais rápido e saltou da mureta, correndo em direção ao incêndio. Quando o alcancei, estava jogando o corpo contra a porta frontal, que estava curiosamente trancada com um cadeado pesado do lado de fora.

— Merda! Eu vou ter que... — Caleidoscópio começou a mudar para a forma de gigante, sem deixar de esmurrar a madeira grossa que nos separava do saguão principal da hospedaria.

Dei um passo atrás enquanto tentava pensar em algo melhor. Caleidoscópio demoraria algum tempo para conseguir derrubar a porta e mesmo depois de entrar no saguão, teríamos que procurar Tam dentro de uma casa em chamas. "Deve ter um jeito mais fácil", pensei enquanto dava a volta pelo lado de fora, tentando lembrar a localização do quarto do gigante. Parei em frente à janela que acreditava ser a certa e me transformei em abelha antes de entrar por uma das frestas.

Aquele cômodo ainda não tinha sido consumido pelo fogo e estava livre de fumaça. Senti uma onda de alívio refrescar meu pequeno corpo ao ouvir o som conhecido dos roncos de Tam, que permanecia adormecido do outro lado do quarto. Sem perder tempo, voltei à forma humana e comecei a chacoalhá-lo o mais rápido que pude. Depois de alguns minutos de esforço, ele abriu os olhos escuros e começou a levantar, sem entender muito bem a situação.

— Esse lugar está pegando fogo. — Eu disse da maneira mais calma que consegui. Ele deve ter percebido a seriedade da situação, pois não questionou. Dirigiu-se ainda cambaleante até a janela enquanto eu tomava o cuidado de colocar o dinheiro e pertences mais importantes dentro de sua mochila.

— Como pode estar trancada por fora?! — Reclamou irritado. Abri uma fresta da porta que dava ao corredor e percebi que não tinham grandes obstáculos entre o quarto de Tam e o saguão principal. O incêndio havia começado há pouco tempo e as estruturas da construção ainda estavam firmes. Precisávamos aproveitar para escapar o mais rápido possível.

— Escuta aqui, Tam. — Gritei lhe estendendo a mochila. — Você tem que seguir até a entrada da frente. Ajude Tony com a porta e tire qualquer coisa que esteja impedindo ela de abrir. Te espero lá fora, tudo bem? — Eu estava com medo do fogo e não suportaria atravessar o corredor cheio de fumaça. Assim que ele acenou afirmativamente coma cabeça, me transformei e saí pela mesma fresta que havia entrado, acessando meus pertences que ficaram no chão ao lado da janela.

Agora ouviam-se gritos desesperados de dentro da hospedaria, e me perguntei se a mulher gorda que nos atendera estava em segurança. Pouco antes de chegar até a frente do estabelecimento, pude ouvir o estrondo de Tony arrombando a porta principal e logo depois o silencioso ambiente noturno foi preenchido pelas vozes desesperadas dos outros hóspedes.

Tam foi um dos últimos a sair. Parecia bem, a não ser pela fuligem que cobria seu rosto e a expressão de quem ainda não tinha entendido o que estava acontecendo. Humano novamente, caminhei para perto dele e de Tony, surpreso com o quão bem-sucedidos havíamos sido no resgate. A dona da hospedaria com quem eu tinha me preocupado também estava bem, e naquele momento apontou para a mim.

— Sempre desconfie de forasteiros, é o que dizem por aí, não é? — A mulher gritou, provocando olhares em minha direção. De fato, eu era o único completamente limpo, mas aquilo não tinha nada a ver. Nenhum hóspede disse nada, apenas ficaram encarando em meio àquela situação constrangedora. Abri a boca para me defender, mas ela foi mais rápida: — Não quero saber de explicações. Vocês trazem azar! Vão embora e não ousem voltar aqui.

Não tínhamos motivos para discutir com ela. Felizes o suficiente por estarmos bem, apenas nos entreolhamos e viramos as costas, andando até o caminho que levava ao centro, abaixo do morro. O amanhecer estava próximo, mas somente os ratos e baratas já circulavam pelas ruas. Estávamos com fome e não havia onde comprar comida. Meio sem saber o que fazer, ficamos perambulando pela avenida principal até que Caleidoscópio, em forma de infantil novamente, se pronunciou.

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