— Então, onde está o navio? — Perguntei.
— Logo ali no primeiro deque.
Estranhei a resposta, pois o primeiro deque estava vazio, a não ser por um bote de madeira escura. Não acreditei no que via quando Zenit subiu nele com naturalidade e virou para mim, sem entender minha demora.
— Este é o seu barco? — Acho que essa foi a primeira vez que me decepcionei com aquele simpático desconhecido.
— Sim. Uma graça, né?
Eu esperaria isso de alguém como Caleidoscópio, mas Zenit era tão prestativo que não achei que fosse nos enganar daquele jeito.
— O que?! — Tony gritou indignado atrás de mim. — Sem chance!
— Eu vim até aqui remando esse bote. Ele é grande o suficiente para nós três. E é de Gris, a madeira mais resistente de Arasmo. Nem esquenta com a água. Nada vai dar errado.
Eu não estava assim tão confiante e esperei que Caleidoscópio tomasse alguma decisão. Ao mesmo tempo em que não queria embarcar em uma viagem arriscada, Zenit tinha pagado todas as despesas contando com nossa presença. Mais do que isso: eu queria continuar ao lado de Zenit. Depois de tudo o que tinha acontecido, não estava preparado para encarar mais uma temporada cuidando de Tony sozinho.
Caleidoscópio não se posicionou, apenas ficou com os braços cruzados e a cara amarrada, esperando que fizéssemos alguma coisa. Por fim, tomei a iniciativa.
— Puxe esse barco para fora. — Pedi para Zenit. — Vamos dar uma olhada na situação dele.
Eu esperava que o jovem usasse uma corda e arrastasse o barco para a praia logo ao lado do deque. Entretanto, Zenit pulou para meu lado e simplesmente levantou o bote com as duas mãos, como se fosse uma bacia.
Tomando cuidado com a água quente que respingava do fundo, colocou o bote na minha frente sem nem mesmo acordar o porquinho que já tinha se aconchegado em cima de sua mochila, em uma das extremidades da embarcação. Satisfeito, suspirou frente ao bote que descansava no chão de madeira que, sustentado por vigas de metal enferrujado, se projetava em direção ao mar.
Era a segunda vez que ele fazia uma coisa dessas. Olhei espantado para Tony e o vi pronunciar silenciosamente a palavra "mágico" enquanto apontava para Zenit de forma discreta.
Por incrível que pareça, aquele bote estava em condições muito melhores do que a antiga embarcação de Tam. A madeira era nova, não tinha rachaduras, buracos e nenhum sinal de apodrecimento. Como Zenit havia dito, esquentava muito menos do que o antigo bote de Tony ao contato da água fervente de Sol.
De acordo com as minhas estimativas, o bote era capaz de suportar até cinco pessoas em viagens curtas, ainda que, por motivos óbvios, não contornaria tempestades com a facilidade de um navio maior. Seu maior defeito era a ausência de velas, ou seja, teríamos que remar o caminho inteiro. Como estávamos em três pessoas, não achei que seria grande problema.
— Na verdade ele é bem novo. Está em perfeitas condições. — Comentei.
— Viu só? — Disse Zenit acariciando a madeira do pequeno barco orgulhosamente. — Ele nunca me deixou na mão!
— Por mim, partimos com ele mesmo.
— Vamos logo então. Daqui a pouco anoitece. — Tony entrou, sentou e esticou as pernas para cima com muita naturalidade.
Quem visse de fora poderia dizer que eu estava na pior, viajando em um pequeno bote por quase uma semana, mas a verdade é que daquela vez a bússola nova e a facilidade de manobrar a embarcação pequena me garantiram uma viagem muito mais segura do que, por exemplo, no "navio" de Tam.
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Prisma
FantasySobrevivente de um naufrágio, o navegador Romeo, introvertido e covarde, se vê perdido em uma ilha desconhecida. Sozinho, ele precisará encontrar os próprios meios de localizar seu irmão mais velho, de quem foi separado durante a tragédia. Entreta...