29- O CONVITE DA TORMENTA

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Passamos o dia seguinte com as velas baixas, tentando descobrir nossa localização. A fuga apressada na noite anterior fez com que seguíssemos sem direção durante horas, jogando por água abaixo toda a precisão com a qual eu navegava desde que partimos de Flora. Agora, tudo o que tínhamos eram horizontes vazios. Eu estava perdido.

— Sabe se localizar através das estrelas? — Perguntei ao meu assistente.

— Não. Mas o senhor certamente sabe, não é? — Georg falou, esperançoso.

— Não. — Suspirei.

Passei a vida inteira navegando de dentro de uma cabine fechada e escondida no porão de Vitória. Sempre fui capaz de realizar longas viagens sem nem mesmo ver a luz do sol. 

Se, por um lado, desenvolvi inigualável precisão em registrar a localização de um navio e calcular seu deslocamento, nunca tive habilidade alguma em interpretar sinais do céu e do mar. Para fazer um veleiro se mover, é necessário apenas vento, sobre o qual qualquer sistema simples de cataventos sempre me forneceu informação o suficiente.

— Qual o problema? — Tony se aproximou e levantou o mapa de Lorde Tritão contra o céu. — É só continuar indo pro Noroeste. O máximo que pode acontecer é esbarrarmos com a ilhota de ontem. Nesse caso, desviamos a rota.

— Pensei que estivéssemos voltando para o centro. — Protestei.

— Claro que não. Bruce, como estão os estoques? — Gritou para um velho que havia conseguido se salvar.

— Agora que estamos em oito, a comida vai durar uns dois meses. Com um pouco de água da chuva, poderemos permanecer no mar por esse período de tempo.

— Viu só? — Caleidoscópio o dispensou agitando uma das mãos. — Agora que já estamos aqui e você parou de duvidar da minha sanidade, não temos motivo pra voltar. — Completou.

Georg tentou disfarçar, mas o que eu vi brilhar em seus olhos era a mais pura felicidade. Sua grande aventura ainda não havia chegado ao fim. Coloquei a embarcação rumo ao Noroeste. De qualquer forma, eu não sabia para onde ir.

— Quer dizer que tudo o que preciso fazer é navegar para lá. — Apontei para o mar à frente. — E chegaremos nas terras de Hugo em segurança?

— Exato.

— Como quiser. — Dei de ombros, jogando a responsabilidade para o capitão. Depois do despertar do gigante, eu já não duvidava de mais nada que dissesse. 

"Não importa," pensei, "o mundo está louco e provavelmente não sobreviveremos". Na mesma medida em que os últimos eventos me deixaram abalado, Georg parecia cada vez mais entusiasmado com nosso destino. 

Durante os próximos dias, senti crescer uma estranha intimidade entre todos nós, a intimidade natural entre aqueles que sabem que compartilharão o momento da morte. Quatro dias após o incidente, avistamos a primeira ilha no horizonte. Ela era pequena e aparentemente desabitada, como aquela que deixamos para trás. Concordamos em não desembarcar.

— Segundo os relatos, as primeiras ilhas do arquipélago são as mais selvagens. Hugo nunca foi capaz de curvar os maiores gigantes ao seu comando, mas eles são úteis para manter os forasteiros longe. — Explicou Tony.

— Que boa ideia não ter me avisado antes. — Comentei, irônico.

— Só descobri ontem de noite. Não é minha culpa se vocês são idiotas demais pra me ajudarem com o trabalho pesado.

Se estava inventando de acordo com o ocorrido, ou se realmente sabia do que falava, eu já não me importava mais. Caso estivéssemos mesmo rumando para o fim do mundo, já deveríamos ter percebido os primeiros sinais. Aos poucos, me acostumei com a ideia de que nos encaminhávamos para terras novas e desconhecidas, ainda que não existissem provas concretas da existência do Reino dos Gigantes visitado por Bianca. 

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