— Aqui. — Tony se debruçou sobre o mapa que eu usava e pousou o dedo em um ponto fora do papel. Ficava além das ilhas mais a Norte.
— O que? — Eu relutava em acreditar. Ele estava tão bêbado que não conseguia articular palavras decentemente.
— A gigante branca. Ilusão de Gelo. — Então virou para Zenit, procurando apoio. — Vamos até o Lorde Tritão, não vamos?!
— Sim. — Zenit sorriu. Era a chance de conhecer o escritor dos livros que tanto gostava.
— Então, Romeo. — Tony revirou os olhos. — Navegue pra cá. É bem no Norte mesmo.
— Você tem certeza, você está...
— Me passa esse timão. — Ele me empurrou e tomou a ferramenta para si. — Eu sei chegar em casa. — Sem vontade de discutir com um bêbado, deixei que guiasse, cuidando para que as velas permitissem seguir na direção desejada. Zenit ficou boquiaberto com tamanha grosseria e dentro de poucos minutos se ofereceu para me ensinar a pescar.
— Não precisa. — Caleidoscópio interrompeu. — Não vamos demorar pra chegar lá. Não é longe.
Ignoramos sua observação e Zenit logo sacou a vara. Preparei comida para todos menos Tony, que não pareceu se importar. Ele estava incontrolável e suportar seu humor imprevisível vinha sendo cada vez mais difícil.
— Vou fazer mangas para a sua pele de macaco. Está ficando bem frio. — Zenit comentou, tentando compensar a idiotice de Tony com excesso de gentileza. Parece que nem sempre estava com ânimo para brigar. — Fique atento à nossa localização. — Zenit pediu em voz baixa. — Sabe-se lá para onde esse louco está nos levando.
— Se não chegarmos até o fim do dia, eu retomarei o controle. — Murmurei, tranquilizando-o.
Daquela vez, entretanto, Caleidoscópio parecia estar certo. Dentro de poucas horas o ar estava frio como em Cast e pudemos ver uma grande ilha se aproximando no horizonte. A gigante branca não recebeu o apelido à toa: uma extensa área de água congelada, com formações rochosas irregulares dispersas em toda a sua extensão.
Tony ancorou o navio rente ao gelo, ainda que eu considerasse essa atitude arriscada demais. Placas de gelo podem derreter e mudar de posição da noite para o dia, nos impedindo de acessar a embarcação. Como que adivinhando meus pensamentos, ele se dirigiu a mim, arrogante:
— Eu sei o estou fazendo, senhor navegador.
Precisei de muita força de vontade para não esmurrar a porcelana branca que Tony usava como rosto. Estávamos prestes a ver o Lorde Tritão, e a possível ira do grande monstro diante do filho espancado foi motivação o suficiente para me manter pacífico.
Caminhamos durante alguns minutos sobre o gelo. Lamentei ter perdido os sapatos de couro de bisão no naufrágio em Sol, eles seriam perfeitos para manter os pés aquecidos. Mesmo assim, Ilusão de Gelo não parecia tão fria quanto Cast. Talvez por estarmos bem preparados, talvez pelo sol ainda no céu, talvez pela ausência de vento. O frio ali era suportável.
Alcançamos um trecho rochoso com facilidade. Por fim, Tony nos conduziu à entrada de uma caverna. Uma casa camuflada entre formações naturais de uma ilha distante e abandonada. Para falar a verdade, não esperava menos de Lorde Tritão. Caleidoscópio o tratava como um capanga qualquer, mas já era claro para mim que o grandão era tão odiado pelo Império quanto o próprio Netuno.
Adentramos a gruta escura, cada passo ecoando longe nas paredes de gelo semi-rochosas. Gotas de água escorriam de estalactites acima das nossas cabeças, as vezes atingindo a minha nuca com seu conteúdo gelado.
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Prisma
FantasySobrevivente de um naufrágio, o navegador Romeo, introvertido e covarde, se vê perdido em uma ilha desconhecida. Sozinho, ele precisará encontrar os próprios meios de localizar seu irmão mais velho, de quem foi separado durante a tragédia. Entreta...