26- ENCRUZILHADA (Parte II)

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Queria correr, mas estava cansado demais. Tive que parar para recuperar o fôlego assim que pisei na prancha que levava para dentro do barco.

— Posso ajudá-lo? — Uma voz estranha perguntou enquanto eu descansava. Levantei o olhar e percebi que era um homem jovem, de cabelos ruivos crespos e volumosos formando um globo de pelo menos dois palmos de diâmetro ao redor da cabeça. Usava um avental, luvas, e estava lidando com nosso fogão externo.

— Que merda é essa?! — Perguntei, irritado. — Quem é você?

— Tem certeza que é o barco certo? — Disse Tony.

— Você está atrás do Zenit? — O desconhecido perguntou. — O capitão está se recuperando na cabine principal, por isso precisarão...

A porta da cabine abriu violentamente, fazendo com que todo o chão do convés recebesse a iluminação quente de um lampião. Mas as sombras logo tomaram conta da embarcação novamente, pois o corpo de Zenit, inteiro e vivo, ocupava o batente da porta.

— Romeo! Você está bem! — Ele gritou, preparando um passo.

— Não! — O desconhecido interveio, abandonando o fogão e caminhando para a direção de Zenit. — O senhor não deve se esforçar, capitão! O sangramento pode voltar. Espere deitado, por favor.

Era tarde. Em uma de minhas raras demonstrações de afeto, corri até Zenit. Depois de um grande abraço, o parabenizei pela batalha.

— O que você está falando? — Zenit riu. Estava pálido e um pouco gelado. O importante é que ainda respirava. — Você quem tomou conta do canhão e virou o jogo para o nosso lado. Depois dessa, merece voltar pra Maia e casar com a Lari. — Falou. E então completou, diante da minha expressão confusa: — O que foi? Tá na cara que ela é apaixonada por você.

— Você precisa mesmo descansar, capitão. Está delirante. — Aproveitei o momento de proximidade para falar baixo em seu ouvido. — Quem é esse? Precisa que eu dê um jeito nele?

— Não se preocupe. — Zenit respondeu, também em voz baixa. — Rick é um amigo. E agora, também é parte da tripulação.

Depois disso, o larguei deitado no quarto e fui cuidar dos meus ferimentos. Em comparação com Zenit, transformado em peneira tanto pelo exército quanto pela tripulação de Tony, meus cortes pareciam meros arranhões. Coloquei roupas limpas, um dos pares com os quais ele tinha me presenteado uma semana antes.

Depois de um reencontro emocionante entre Tony e Napoleão, os dois brincavam, correndo pelo convés. Duas vezes o porco atropelou Rick em sua perseguição ao albino. Ao que indicava a expressão de nosso novo tripulante, que tentava continuar a fatiar vegetais em paz com ajuda de um grande cutelo, o próximo esbarrão poderia ser o último.

— Essa desgraça bebeu todo o vinho branco que eu tinha reservado para o molho. — Ele explicou, ao perceber que eu me divertia com a sua irritação. — Por isso tive que arranjar frutas para equilibrar a acidez. — Recolhi minhas mãos, a caminho de roubar um cacho de uvas do meio dos ingredientes. — A quem estou querendo enganar? Não vai ficar a mesma coisa! — As pobres cebolas eram o bode expiatório de sua chateação.

— Quer ajuda com alguma coisa?

— Monte uma mesa para todos nós, perto da cabine principal, para que ele não precise caminhar demais. Você é o Romeo de quem Zenit tanto fala, não é? E o outro? Também vai comer?

Eu sempre fiz as minhas refeições no chão, usando qualquer coisa de apoio para a comida. Em solidariedade ao cozinheiro estressado, entretanto, me esforcei para criar o ambiente mais adequado para o banquete que estava por vir. Dois barris vazios foram o suficiente para apoiar um tapume que encontrei abandonado no porto.

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