JÚPITER

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Sei que estou atrasada sem nem precisar abrir os olhos.

Sempre acordo antes que o sol comece a bater na minha janela e agora ele esquenta os lençóis da cama e me faz suar. Me arrasto até o chão e ando cambaleante até a cozinha. Paro na porta de Luísa e tenho vontade de rir por saber que ela está tão ferrada quanto eu. Seu corpo está numa posição engraçada e seu cabelo cobre todo seu rosto. Chego perto dela e a sacudo sem parar.

- Luísa! – Eu berro propositalmente e ela pula com o susto.

- O que foi, sua desgraçada? – Minha melhor amiga amaldiçoa, arrastando seu cabelo para longe do seu rosto.

- A gente tem exatos 18 minutos para se arrumar e pegar um táxi até o escritório. Boa sorte. – Eu digo, correndo e me trancando no banheiro. Não tenho tempo para lavar meus cabelos muito cacheados, então jogo uma ducha fria no corpo, escovo os dentes e vou para meu quarto. Mal vejo que roupa vou vestir. Enfio uma calça jeans de lavagem tradicional pelas pernas, uma camisa preta lisa, tênis e levo o blazer marfim nas mãos. No cabelo, me limito a fazer um coque que eu torço que pareça despojado, deixando que alguns cachos caiam ao redor do meu rosto e pescoço.

Luísa está no mesmo processo que eu, mas ao invés do blazer, ela preferiu uma camisa de seda clássica e seu cabelo castanho escorrido está em uma trança. Nós sabemos como funcionamos então, quando faltam exatos 2 minutos para o nosso prazo acabar, já tomamos nossa xícara de café matutina e alcançando nossas pastas no sofá, saindo como dois furacões do apartamento.

Às oito e trinta e dois, estou subindo o elevador, depois de deixar Luísa em seu escritório. Sigo para a minha sala e assim que me sento em minha cadeira, bufo ao perceber que Gaspar – mais conhecido como meu nada maravilhoso chefe – já depositou uma pilha de planilhas para análise, com um post-it colado em cima berrando "NA MINHA MESA ATÉ AS 15H". Não posso perder tempo, então ligo o computador e checo meu e-mail.

Eu amava minha profissão. A faculdade de arquitetura havia sido espetacular, e o fato de ter conseguido estágio na Cavandes tinha sido incrível. Acabei sendo efetivada na empresa de arquitetura urbana, onde cresci e aprendi com os melhores - ou quem costumavam ser os melhores. Dei de ombros para minha tristeza e me afundei nos papéis a minha frente.

Duas horas depois, a conversa de Luciana com Marilúcia, secretárias do presidente e vice-presidente da empresa – chama minha atenção.

- Sim, eu tenho certeza. – Sussurrou Luciana. – A empresa não está dando o lucro esperado e o Senhor Cavalcante está considerando a possibilidade de venda, hoje um comprador interessado vem para uma reunião.

- Mas... Mas... E todos os funcionários? – perguntou Marilúcia, com tremor na voz.

- Acho que devem desligar todos. – Ela disse, parecendo triste. – Já conversei com meu marido e disse que a gente vai precisar se apertar esse mês e... – Ela continuou falando enquanto caminhava para longe dos meus ouvidos curiosos. Eu sabia que a empresa não ia bem. O desfalque financeiro era óbvio. Os projetos caíram muito e as dívidas apenas vinham aumentando, eu só não esperava que fosse algo tão sério ao ponto de o senhor Cavalcante por sua empresa a venda. Automaticamente entrei em desespero. Eu seria desligada. Eu tinha uma boa reserva de emergência, mas ainda assim, o desespero me abateu. Alcancei meu celular rapidamente e digitei uma mensagem.

"Tenho más notícias." eu disse. Luísa respondeu rapidamente.

"Gaspar tirou férias vitalícias???? hahaha" ela falou e eu mal pude rir.

"É sério." digitei. "Acho que vou precisar daquela sua vaga aí" mandei. Levantei meus olhos e corri pelos meus funcionários.

"Como assim???" ela perguntou, em resposta, atraindo minha atenção de volta ao celular.

"Seu Cavalcante está colocando a empresa a venda" soltei e bloqueei meu celular ao perceber o senhor Cavalcante entrando no recinto.

- Bom dia, queridos. – Ele começou, recebendo um coro de "bom dia" em resposta. – Hoje, às 13h, farei uma reunião na sala de convenções e quero que todos compareçam sem atraso. É de extrema importância. – Ele enfatizou.

– Obrigado pela atenção. – Ele agradeceu, e voltou a andar, enquanto Gaspar cochichava baixo em sua direção. Todos os funcionários se entreolharam e o medo no semblante de todos era nítido. Respirei fundo, cocei os olhos e fiz a única coisa que estava em meu alcance: voltei a trabalhar.

Ao meio-dia em ponto encontro Luísa na porta do elevador e seu semblante está tão preocupado quanto o meu. Ela havia me mandado uma mensagem, dizendo que vinha me buscar para almoçarmos e caminho em sua direção até onde ela me espera.

Quando as portas do elevador se abrem, ando olhando para os meus pés e mal posso dar um segundo passo pois vou de encontro com algo muito duro e perco o equilíbrio. Fecho os olhos para absorver a pancada, mas dois braços me seguram com firmeza. Abro os meus olhos instantaneamente e com a visão a minha frente, perco todo o ar dos meus pulmões. Meu salvador está de terno e gravata e me encara profundamente.

Seus olhos são como dois imãs. Sua expressão é de normalidade, até que seus olhos chegam a minha boca e então suas sobrancelhas se arqueiam levemente, em puro reconhecimento. Ele não precisa falar nada para eu perceber que ele sabe exatamente quem eu sou, e para que eu perceba quem ele é. O sangue some do meu rosto, conforme a constatação me abate: meu salvador é o moreno da boate.

Alguém atrás dele limpa a garganta e ele pisca os cílios cheios em minha direção e em um segundo eu estou de pé novamente, apesar de não sentir direito minhas pernas. Ele é ainda mais bonito agora que não há luzes fluorescentes ou álcool interferindo em minha visão. Ele está perfeito, com o terno abraçando todos os lugares certos e a postura exalando poder. Ele parece fodidamente intocável. Seu cabelo continua a bagunça mais cheia, negra e sexy que já vi na vida.

- Vocês estão atrapalhando o caminho, pessoal. – Luísa fala, e nós dois olhamos para ela, ainda aturdidos. Concordo com a cabeça e ameaço dar um passo para o lado, mas percebo que suas mãos continuam presas aos meus braços, empunhando uma força suave, como quem quer manter algo imóvel. Assim que ele percebe meu movimento, ele retira suas mãos como se ardessem em brasa. Sua expressão suave e relaxada é substituída por uma impenetrável.

- Você precisa aprender a olhar por onde anda. – Ele fala, já se movimentando para liberar a passagem. Sei que as minhas próximas palavras são um erro, mas não consigo impedir que saiam da minha boca mesmo assim.

- E você precisa aprender a fingir que não gostou. – Eu falo em sua direção, em tom bem baixo, conforme seu corpo passa pela lateral do meu. Ele para por um segundo, e sei que está me perfurando com seus olhos. Finjo que não estou afetada e continuo andando para dentro do elevador. Antes que as portas fechem, Luísa pergunta:

- O que foi isso?

- Eu não tenho a menor ideia. – Respondo, perturbada. Antes que os metais se encostem, levo meus olhos para fora e encontro ele ainda parado me observando como um felino. Meus olhos descem até sua boca e então, o mais inesperado acontece: o moreno sorri. 


O UNIVERSO ENTRE NÓS  - COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora