Respiro fundo antes de entrar na casa dos meus pais.
Era sempre desgastante emocionalmente, mas também revigorante vê-los. Não bato na porta para entrar e a primeira coisa que vejo é Maria Amélia parada no meio da sala, procurando alguma coisa. Maria Amélia é a enfermeira do meu pai. Não sei por que ela parece tão frustrada, então decido chamar sua atenção.
- Maria? – Chamo e ela pula com o susto.
- Que susto, menina. – Ela fala, vindo até mim e me envolvendo com seus braços firmes. Ela era uma rocha. – Como é bom te ver, meu planetinha. – Ela diz e rio com meu apelido.
- Júpiter? – Minha mãe chama, descendo as escadas. Olho em sua direção, os cabelos enrolados como os meus espalhados sobre seus ombros, o corpo magro sob um vestido florido, os olhos cansados. Acho que pela primeira vez percebo o quanto ela envelheceu. Cuidar do meu pai sugava demais dela. Quando descobrimos sua doença, ainda na Itália, mamãe tinha certeza de que ele iria se recuperar, mas agora, aqui estávamos nós, muitos anos depois com pouquíssimos avanços.
- Oi, mãe. – Eu falo, sorrindo e lhe dando um abraço.
- Senti sua falta, querida. – Ela diz e eu a aperto mais.
- Como estão as coisas? – Pergunto. – Você está bem?
- Cansada, mas bem. – Ela diz, me olhando com os olhos idênticos aos meus, com uma ternura e abnegação inimagináveis.
- Como está o pai? – Eu pergunto, olhando dela para Maria.
- Está bem, o estado é o mesmo. – Minha mãe fala. – Ele tem perguntado por você, está irritado hoje por causa da dificuldade para andar. Está enlouquecendo Maria.
- Vou vê-lo. – Aviso, e sigo para o quarto dos meus pais, que agora fica no térreo. Eles costumavam dormir na suíte do segundo andar, mas com a doença avançando, as escadas se tornaram dolorosas demais para meu pai.
Quando chego a porta e a abro devagar, meu coração aperta. Ele está deitado na cama, cochilando levemente. O aparador ao lado da cama, mostra alguns vidros de remédio e um respirador. Meu pai está mais magro, mas o rosto continua forte e decidido, como quem até no sono não se deixa abater. Ele era a pessoa mais corajosa que eu já conheci. Quando descobrimos a Esclerose Múltipla, ele tinha apenas 45 anos e eu apenas dezoito. Voltamos para o Brasil porque um amigo da minha mãe estava desenvolvendo um tratamento paliativo que vinha tendo sucesso com meu pai. A doença agora só o deixava com dores no corpo e afetou um pouco sua visão. Ele estava debilitado, doente, mas ele estava lutando e graças a Deus, ainda tinha boa memória. O processo de descobrimento da doença tinha sido muito doloroso para todos nós.
Sentei-me cuidadosamente ao seu lado e penteei seus cabelos com os dedos. O toque o desperta suavemente e ele sorri assim que me vê.
- Olhem se não é o planeta mais lindo de todo esse sistema solar. – Ele brinca e eu, sem controle algum, começo a chorar. Era sempre assim, mesmo oito anos depois. Eu o amava tanto. Me joguei em seus braços e com alguma demora, senti-o pousar as mãos em minhas costas, num carinho ligeiro.
– O que houve, filha? – Ele perguntou e eu solucei. Meu pai continuou me embalando, me permitindo chorar.
- Eu realmente amo você. – Eu disse, com a voz embargada. E acho que meu pai entendeu, porque ele me abraçou mais apertado e beijou minha cabeça. – Ouvi dizer que o senhor não está dando paz a Amélia. – Falei, fazendo uma cara feia para ele enquanto limpava meu rosto.
- Eu estou sendo obrigado a pedir para ela procurar coisas que nem estão nessa casa porque é a única forma que ela me deixa um pouco sozinho. – Meu pai falou, escondendo uma risada.
- Bom saber, senhor Kaz. – Falou Maria Amélia entrando no quarto com uma bandeja com um copo de suco para meu pai e um pedaço de bolo de laranja para mim.
- Não me leve a mal, Amélia. – Meu pai falou, enquanto eu o ajudava a sentar. – Mas você e Alice estão me enlouquecendo. – Ele falou, para minha mãe que entrava no quarto também. Ela resmungou para ele e riu para mim. Ri dos três e mordi o bolo.
Passamos o restante da tarde conversando sobre meu trabalho, a venda da empresa e prometi que da próxima vez que eu viesse, Luísa viria, porque também estava com saudades. Antes de ir embora, dei um abraço apertado no meu pai, o medo do esquecimento começar a chegar sempre me apavorando. Deixei-o descansar e desci as escadas com minha mãe. Ela sorria.
- Ele sempre fica melhor depois de te ver. – Ela fala, me levando até meu carro.
- O médico mencionou algum avanço? – eu pergunto a olhando.
- Meu amor, não temos como reverter essa situação. – Dona Alice fala, e sinto meus olhos queimarem como sempre. – Somente atrasá-la. O médico disse que seu pai é um resultado extraordinário. Ele ainda fala perfeitamente e suas memórias estão intactas.
- Não há fórmula mágica ou adivinhação. Só podemos esperar pelo melhor e aproveitar cada momento. – Ela falou, me olhando, o tom sério de seu lado cientista equilibrando o lado esgotado e impotente. Nos abraçamos fortemente e deixei um beijo para Maria Amélia. Liguei o carro, engatei a primeira marcha e chorei profundamente até chegar em casa.
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O UNIVERSO ENTRE NÓS - COMPLETO
ChickLit(+18) LIVRO DE CONTEÚDO ADULTO. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. PLÁGIO É CRIME. Júpiter Witkowski é uma mulher intensa, dedicada a família e apaixonada por sua profissão. Aos 26 anos, ela é diretora de uma empresa de arquitetura que vai de mal a pio...