– Por favor, senhor, nós imploramos! E imploramos mil vezes mais... Não há nada de errado em nossa pacata vila, somos todos filhos de Deus aqui. Não há necessidade de tantas espadas e tochas. – Suplicou o velho porteiro, com um gorro de retalhos na cabeça, escondendo seus brancos e finos fios de cabelo e protegendo suas pálidas e enrugadas orelhas do frio.
– Isso é bom, então não teremos de usá-las. Abra logo o portão, senhor. – Exigiu com o mesmo tratamento pela terceira vez um cavaleiro de meia idade com suntuosas vestimentas de batalha. Uma cruz de metal condecorava em alto relevo o centro da sua placa de peito de maciço ferro prateado adornado.
– Mas, mas...
– Só irei falar mais uma vez. Abra o portão ou teremos que fazer isso à força.
– Melhor fazer o que o Marechal diz amigo, te deixaremos em paz mais rápido se você cooperar. – Disse o General Artoges ao se aproximar a cavalo. Seu capuz encharcado pela chuva cobria alguns aspectos de sua feição.
– Droga, vocês serviçais da Igreja são todos iguais. Quando não conseguem o querem a reposta é sempre a mesma para todos, fogo e aço. Muito bem, que se dane! Eu não quero morrer amarrado em uma maldita fogueira nem tão cedo. Entrem, saiam e nunca mais voltem! Como se já não bastasse termos de pagar altos impostos para vocês, miseráveis... – Concluiu resmungando o porteiro ao se por a descer da guarita de madeira acima da paliçada que se estendia para os lados, circulando o perímetro da vila. Tratou então de abrir o alto portão de madeira, formado rudimentarmente por meio de troncos de árvore serrados e conjugados. Após alguns sons de remoção de trancas e bloqueios, os cavaleiros viram o interior da comunidade abrindo-se perante seus olhos atentos.
Era uma fria tarde. Nuvens escuras bloqueavam os raios de sol e trovões estalavam roucamente ao horizonte, iluminando por vezes o céu com seus clarões subsequentes. Os soldados seguiram a trote para dentro sob a leve chuva que caia em suas armaduras, fazendo um suave tintilar. Os cascos dos cavalos marcavam o solo enlameado. Eram cerca de cinquenta homens, todos munidos com espadas e escudos, prontos para serem utilizados a qualquer momento, caso necessário. A cruz azul em fundo branco estava sempre presente em suas vestimentas, que começavam aos poucos a encharcar.
Adentrando mais no vilarejo, encontrava-se uma multidão espalhada ao redor das humildes casas, todos falando ao mesmo tempo, todos desconfiados e com expressões amedrontadas nos rostos. Eles bem sabiam o que os cavaleiros estavam a procurar, mas não se atreviam a demonstrar tal conhecimento. Conforme a cavalaria adentrava mais a fundo na área residencial, portas e janelas eram trancafiadas, soslaios apreensivos eram jogados através de frestas na madeira, cochichos temerosos eram disparados de todas as direções, abafados pelo som dos cascos das bestas de transporte a serem submersos em lama.
– Muito bem, cidadãos do reino de Eingsfyre, eu quero que vocês saibam que viemos aqui apenas para garantir sua segurança. – Falou alto e claro o Marechal Arstan Swan ao subir em um palanque de madeira velha e erodida no meio da praça da vila. – Caso cooperem, deixaremos as suas vidas em paz, e é claro... Coff coff coff... – Teve o discurso interrompido por um súbito ataque de tosse. – ... Uh hum... E é claro que entregaremos uma recompensa a quem nos indicar o paradeiro dela, caso contrário, serão declarados inimigos do reino. Fui bem claro? – Anunciou sem rodeios após se recompor da rouca tosse. A multidão começou a sussurrar em círculos ao redor do palanque. A discussão demorou alguns minutos até o Marechal perguntar: – E então, quem gostaria de se oferecer como ajudante? – Agora uma monótona quietude perdurou por algum tempo, até que um homem em meio ao aglomerado quebrou o silêncio.
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Fardos de Batalha (Em Andamento)
FantasíaA jornada contida neste escrito se passa em Eingsfyre, o país que detém para si o poderio militar dos reinos do ocidente. Embora ainda sendo um reino, o domínio deste não está contido nas mãos de seu monarca, mas sim nas da Igreja, pois foi esta que...