Só enxergava a escuridão, densa e extensiva para todo e qualquer lado que olhasse. Aos poucos, começou a ouvir o som do vento. Sentia como se um vendaval assoprasse contra seu corpo, vindo de trás, gelando suas costas. Também notou que não conseguia sentir o chão abaixo de seus pés.
– Estou caindo... – Percebeu. Então tentou virar-se para encarar a direção na qual estava ligeiramente mergulhando. De início, também não conseguia enxergar mais nada além do breu lá por baixo. Começou a notar o som de água corrente se misturando ao agudo assobio do vento. O barulho da correnteza começou a se intensificar conforme ele continuava caindo, foi então quando finalmente começou a enxergar o rio, mas diferentemente daquilo pelo que esperava, suas águas não eram azuladas, amarronzadas ou mesmo esverdeadas, mas sim rubras. Seu corpo estremeceu de dor quando atingiu em cheio aquele mar carmesim. Começou então a afundar rapidamente, como se fosse uma grande pedra jogada no lago, quanto mais ele tentava nadar de volta para a superfície, mais rápido ele afundava. Estranhava até o próprio líquido no qual imergia, não era volúvel como a água com a qual era acostumado, estava em algo mais denso. – Sangue?! – Deduziu, sua suspeita foi confirmada quando seu fôlego começou a se esvair e o fez acidentalmente tragar um pouco da substância. O gosto férreo banhou sua boca e o fez se desesperar mais ainda, o que resultou na abertura involuntária de seus maxilares e na aspiração. Foi então como se todo o volume daquele mar vermelho houvesse adentrado seus pulmões de uma única vez. Sua visão foi então voltando a enegrecer devido à falta de ar subsequente, seus braços e pernas pararam de se contorcer freneticamente e passaram a realizar apenas pequenos espasmos, cada vez mais insignificantes. – Isso é o fim? ... Eu passei por tudo aquilo para acabar assim? – Quanto mais afundava, menos luz o alcançava naquelas profundezas, era como se ele realmente estivesse adentrando um oceano, pois não parecia haver um fundo lá por baixo, não até o momento em que sua alma estava prestes a abandonar de vez seu corpo. Ao invés de apenas repousar inerte no assoalho do vasto mar rubro, seu corpo o atravessou e começou a cair através do ar novamente, como se aquele tempo todo ele estivesse afundando em um tipo de céu líquido. Desta vez, a queda foi menos prolongada, em poucos instantes ele atingiu o plano, que desta vez era o sólido calçamento irregular de uma rua. O forte impacto o fez colocar todo o sangue que havia se inserido dentro dele para fora em uma brusca sequência de tosses, então em longas arfadas ele puxou o ar para dentro novamente. Não se recordava de alguma vez já ter se sentido tão grato por poder respirar. Ao se pôr de pé assustado, averiguou as redondezas que o cercavam, ainda sem entender como poderia ter sobrevivido a uma queda daquelas. Estava em uma cidade, com ruas e construções que lhe eram estranhamente familiares. – Isso é... Balmon? – Achou estranha a altura dos edifícios e de tudo mais ao seu redor, geralmente ele costumava olhar para o mundo um pouco mais de cima que todos os outros, mas não naquele momento. – O que é... Mas que mer...– Ao ir expressar os pensamentos por meio de sua voz, se espantou com a tonalidade da mesma, que encontrava-se muito menos grave que o usual. – O que está acontecendo?! – Ao olhar para suas mãos, viu que estas não mais eram grandes, calejadas e cheias de cicatrizes de feridas provenientes de vários e vários socos desferidos ao longo de sua vida. Não era mais aquele homem alto e forte de que se lembrava ser, mas sim um garoto, de seis a oito anos. Estava nas ruas de sua cidade natal, porém tudo encontrava-se de uma maneira grotesca. As casas e edifícios a distancia eram cobertos por um véu negro e o céu era de um vermelho escuro, a mesma cor na qual estava a pouco se afogando, que dava uma iluminação fantasmagórica ao mundo abaixo. De repente, sons de gritos indiscerníveis começaram a alcançar seus ouvidos, de início baixos, mas rapidamente foram se agravando. Foi quando surgiram homens de armadura vindo das esquinas envoltas em sombras das ruas norte e sul, eram cavaleiros da Ordem. Estavam vindo em sua direção, com espadas e lanças, gritavam palavras, mas não conseguia decifrá-las. Eram muitos, cerca de cem homens, não era capaz de se mover, pois estava paralisado por um medo que já não lhe era tão familiar. Quando estavam quase alcançando-o, surgiram mais homens pelas ruas laterais à sua posição, estes não chegaram a interagir de forma alguma ao passarem por ele e seguiram na direção oposta aos demais, olhando nos seus rostos, reconheceu seus camaradas, seus aprendizes. Amontoaram-se ao seu redor para protegê-lo dos inimigos que se aproximavam, mas estavam em menor número, e não podia fazer nada para ajudá-los. Era apenas um garoto pequeno e fraco, não teria forças para empunhar uma espada contra um adulto.
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Fardos de Batalha (Em Andamento)
FantasyA jornada contida neste escrito se passa em Eingsfyre, o país que detém para si o poderio militar dos reinos do ocidente. Embora ainda sendo um reino, o domínio deste não está contido nas mãos de seu monarca, mas sim nas da Igreja, pois foi esta que...