Prólogo: Faça um Desejo

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São Paulo, Zona Sudeste, dias atuais


Ter uma banda de garagem é ou já foi o sonho de muitos jovens. Poder se reunir com os amigos, tocar e gravar músicas, fazer sucesso e ter uma carreira profissional. Tudo isso passa pela cabeça durante a adolescência. E tudo isso passa pela cabeça de Miranda enquanto ela escuta, acuada, o sermão de Beth, líder da banda da qual era membro.

–Assim não dá mais, Mimi. Sabemos o quanto você é boa, mas não está funcionando mais como antes.

–Mas eu posso melhorar! –Argumentou, quase implorando. –Eu posso, por favor, só me deem uma chance!

–Demos todas as chances. –Disse Michele, baterista do grupo. –Mal conseguimos ouvir você quando usa seu violão. Não está combinando com o tom da banda e não podemos mudar só por sua causa.

–Além disso –Prosseguiu Beth. –, você não sabe tocar e cantar ao mesmo tempo e sua resposta com a guitarra não é das melhores. Lamento, mas estamos expulsando você da banda.

Miranda ainda pensou em protestar. Pensou em centenas de coisas que poderia dizer naquele momento, mas, no fim, apenas balançou a cabeça positivamente, deixando que uma lágrima escorresse solitária pelo rosto. Segurou seu violão firme contra o peito, apertando os soluços dentro de si.

–Desculpa mesmo. –Luna, a baixista, fora a única que não concordara com a expulsão da colega de banda. Mas, como em toda democracia, a minoria raramente tem voz de argumentação. –Ainda pode vir, se quiser. Minha casa está sempre aberta.

–Obrigada. De verdade. –Dirigia-se à Luna, mas também para as demais. –Obrigada pela oportunidade.

Miranda guardou o violão em seu estojo, pôs o instrumento nas costas e, ainda segurando o choro, saiu pela porta lateral da garagem. O céu, antes azulado e brilhante, agora exibia uma face pálida e cinzenta. Ventos cortantes carregavam o ar pesado através das ruas ladeadas por altas fileiras de prédios. Aquela era a cidade mais populosa do Estado, do país e da América do Sul como um todo. A Grande São Paulo, com mais de 12 milhões de habitantes.

Mas mesmo assim Miranda sentia-se solitária.

Caminhou de volta para casa com o peso de não ter mais uma banda. Não teria mais para onde ir depois do colégio se não de volta para sua casa, para tocar sozinha seu tão amado instrumento. Em seus fones de ouvido, Smoke On The Water batalhava contra os rugidos mecânicos dos automóveis ao lado e os passos das multidões que dominavam as ruas. Quanto mais aproximava-se de casa, mais a música vencia os ruídos do mundo exterior e, em contrapartida, mais a chuva apertava. Quando finalmente precisou correr para livrar-se da tempestade, foi quando percebeu que já estava no fundo do poço.

–Sou uma idiota. –Disse para si. –Uma idiota inútil!

O repentino barulho de um trovão a assustou. Miranda tentou manter o equilíbrio, mas não conseguiu evitar o tombo que se sucedeu ao momento de pânico e raiva. Ainda segurava o violão, intocado enquanto seu rosto, mergulhado em uma recente poça, erguia-se coberto de lama e sujeira. Era oficialmente o pior dia de sua vida.

Ao levantar-se, entretanto, notou um estranho objeto ao lado de uma lixeira. Estava protegido da chuva forte por uma caixa de papelão, mas não iria durar muito tempo. Miranda aproximou-se, verificando que, de fato, era o que achava ser. A guitarra parecia estar em perfeito estado, como se tivesse sido jogada fora sem motivo aparente.

Era um sinal.

Sem pensar duas vezes, pôs o violão novamente nas costas, segurou firme a caixa com as duas mãos e correu como se sua vida dependesse disso. Quando finalmente alcançou a marquise do prédio onde morava, foi como se dois mundos colidissem. Ela estava em casa. Tinha um novo instrumento em mãos. A banda parecia ter sido toda uma vida atrás.

O Ballet da Garota MágicaOnde histórias criam vida. Descubra agora