Capítulo 31: A Face dos Dez

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Miranda abriu os olhos, assustada. Estava escuro a sua volta, frio como uma manhã de garoa e fétido como esgoto a céu aberto. Um ambiente cavernoso, de paredes avermelhadas por onde escorria uma gosma preta das fissuras, sem nenhuma luz a não ser alguns fungos que brilhavam com várias cores. Levantou-se, limpando sua roupa de couro de Garota Mágica. Sabia exatamente onde estava:

Yomi-no-Kuni, o País dos Mortos.

A caverna descia de forma gradual, sendo cortada por um córrego de água cinza e espessa. Não tinha Tenshi consigo, mas ainda possuía o anel de ônix em seu dedo, que parecia brilhar de uma forma contraintuitiva, já que ainda era completamente sem cor. Uma grande rocha bloqueava a passagem atrás de si, forçando-a a seguir por um único caminho.

–Luna? –Chamou, ouvindo os ecos de sua voz reverberando caverna adentro. Ainda conseguia ouvir o cântico de Luna bem no fundo de sua mente, o que indicava que aquilo poderia ser parte do processo ritualístico.

Dando de ombros, Miranda começou a descer para as profundezas daquele inferno frio e úmido. Deve ter sido uma longa descida, já que perdera completamente a noção do tempo. Os corredores eram todos iguais, com os mesmos cogumelos brilhantes e os mesmos insetos bizarros rastejando pelo solo cavernoso. Lacraias do tamanho de cachorros, aranhas com cara de gente, lesmas asquerosas cobertas por aquela gosma preta e muitas outras criaturas que não soube identificar.

Apesar disso, continuou em frente, quase em transe, como se chegar ao final da caverna fosse resolver todos os seus problemas.

De vez em quando ouvia um sussurro distante reverberando pelas paredes. Uma voz já conhecida, mas agora menos abafada e mais feminina do que de costume.

Por que todos sempre me abandonam...? Por que sempre se vão...?

Conforme os corredores ficavam mais largos e dividiam-se cada vez mais em bifurcações, outras criaturas ainda mais asquerosas do que os insetos foram surgindo. Mãos decepadas pendiam de uma parte do teto, ao lado de cabeças azuladas de cavalos com olhos brancos e gelatinosos. Rasparam os dedos enrijecidos por seus cabelos negros, tentando sem sucesso agarrá-la. Em uma pequena gruta, uma bela jovem oriental nua penteava seus longos cabelos enquanto olhava-se em um espelho quebrado e cantarolava uma canção desconhecida. A parte inferior de seu corpo era uma longa e avermelhada cauda de serpente e diversas pilhas de ossos estavam espalhadas pelos cantos de seu aposento.

Aliás, ossos não faltavam por ali. Centenas de pilhas com diversos tipos, de todas as formas e tamanhos e em maior ou menor grau de decomposição. Uma cabeça ainda inteira havia se tornado o lar de uma centopeia, que encarou Miranda através da cavidade ocular vazia enquanto a garota passava.

Os bons sempre se vão, continuou a voz. Apenas os maus querem ficar comigo...

Mas os maus precisam ser punidos...

Sempre castigados, para que aprendam...

Miranda escutava cada palavra, já não prestando atenção para onde ia. Suas pernas tinham vontade própria e seus olhos examinavam cada detalhe mínimo daquele lugar estranho, sem perder nada.

Chegou até uma galeria gigantesca, com o teto sustentado por uma pilastra natural de quase dez metros de altura e grossa como uma pinheiro gigante. Ali cresciam flores coloridas e bioluminescentes, cobrindo toda a circunferência da galeria e formando caminhos por entre ela como um jardim subterrâneo. Os pequenos rios de água pútrida desembocavam em piscinas naturais onde esqueletos de carpas nadavam tranquilamente. Um pequeno instrumento de bambu recolhia a água da fonte até encher por completo, então caia devido ao peso e colidia contra uma pedra arredondada, produzindo um barulho ritmado que ecoava por toda a caverna.

O Ballet da Garota MágicaOnde histórias criam vida. Descubra agora