Capítulo 27: O Beijo da Morte

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O som de sua tristeza ecoou pelos corredores cavernosos daquele lugar. A cabeça decepada de Kelly ainda estava ali, semidevorada pelas lagartas que haviam lhe roubado um dos olhos e partes das bochechas, do nariz e dos lábios. Miranda pegou a cabeça do chão, o som da carne lhe embrulhando o estômago.

–Por que fez isso...? Por que se arriscou por mim, Kelly...? –Miranda conseguia notar que o rosto cadavérico mantinha o sorriso satisfeito da amiga e não sabia se isso lhe deixava mais triste ou com ainda mais raiva. –Droga... Droga! Droga! Droga!

Arremessou longe a cabeça da falecida amiga, ouvindo o som oco do crânio batendo contra uma pedra. Não sabia se gritava, se chorava ou qualquer outra coisa para tentar acalmar seu peito.

–Que merda eu estava pensado? Foi tudo minha culpa! –Deixou o corpo cair sobre os joelhos. –Tudo, tudo minha culpa... Se ao menor eu tivesse... se ao menos fosse...

Um sopro macabro percorreu a caverna, arrepiando todos os pelos de seu corpo. A cabeça contorceu-se, como se tentasse responder a estímulos de alguma fonte externa. O sorriso desmanchou-se e o único olho, levemente esbranquiçado e leitoso, fixou-se em Miranda.

Eu disse que precisaria escolher, minha criança.

Miranda enxugou o rosto. –Izanami...?

A voz parecia a de Kelly, mas não era nem de longe a voz dela. Com um toque fantasmagórico que parecia vir do fundo de sua garganta mutilada, a cabeça continuou:

Teve a chance de salvar sua amiga –Disse a cabeça. –, mas escolheu ignorar meus chamados e agora ela quem terá de pagar o preço.

–Não –Implorou. –, por favor, não faça isso.

Eu não fiz nada, Anjo Negro... –Algo frio e pegajoso acariciou seu rosto, limpando as lágrimas que teimavam em escorrer.Você fez.

* * *

Miranda retornou ao mundo real em um piscar de olhos, como se nada tivesse acontecido. Ainda desorientada e seguindo atrás de Kelly, perdeu o equilíbrio, tropeçando nos próprios pés, e viu o chão acarpetado vir de encontro ao seu rosto.

–Meu Deus! Você está bem? –Perguntou uma voz familiar, ajudando-a a se levantar. –Se machucou?

–Não, eu só... –Miranda congelou. Bem na sua frente, com um olhar de preocupação, estava Kelly, viva e com a cabeça e os olhos em seu devido lugar. Teria sido um sonho? –Kelly?

A amiga franziu o cenho de forma estranha. –Como sabe meu nome?

–Kelly? –Repetiu Miranda, aproximando as mãos do rosto dela. O toque era real, era quente e macio. Kelly, aquela Kelly, era real. –Como pode? Eu vi a sua cabeça... e o seu olho, elas comeram o seu olho...

–Hã, desculpa, mas você está me assustando um pouco. –Disse ela, tentando manter ainda um sorriso torto.

Então, a ficha caiu. Kelly, a Dama de Ferro, havia morrido como Garota Mágica. A coisa que estava ali na sua frente, que falava e agia como a garota de antes, era agora só uma casca vazia, um invólucro de carne e ossos cujos olhos já não possuíam mais o brilho da vida.

Um NPC.

Miranda entrou em pânico. Aquele era um destino pior que a própria morte, segundo Kelly, e agora ela estava condenada a ele. Perdera seu desejo, seu sonho, e só os deuses podiam saber qual seria seu futuro dali para a frente, seu futuro como uma mísera boneca.

Sim, os malditos deuses. Os Kamis. Se eram de fato tão poderosos como se faziam crer, por que então não ajudavam de algum jeito? Por que não lhe davam uma luz de esperança?

O Ballet da Garota MágicaOnde histórias criam vida. Descubra agora