Interlúdio: Vinda para o Brasil

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Porto de Santos, Litoral Paulista, Início do século XX


A imigração japonesa para o território brasileiro deu-se na época por conta de interesses de ambos os países. O Japão, buscando reduzir sua superpopulação após um longo período de isolamento, enviou seus cidadãos para diversos países do mundo, entre eles o Brasil que, entre outras coisas, buscava uma mão de obra barata para trabalhar nas lavouras de café, na época a principal fonte de renda que girava a economia do país. Masato Hashimoto era uma das 781 pessoas que haviam embarcado no Kasato Maru e que agora observavam o navio atracar finalmente em um porto brasileiro após 52 dias de uma desgastante viagem.

Masato trouxera poucos objetos de seu país natal. Parecia-lhe estranha a ideia de começar uma nova vida carregando a vida antiga nas costas. Tinha consigo, em uma pequena bolsa, algumas de suas roupas e dinheiro para se manter por algum tempo. O único item que fizera questão de trazer, um presente de sua falecida mãe, foi um leque com estrutura de madeira e metal.

Trabalhando arduamente nas lavouras de café, Masato aos poucos foi construindo sua vida no Novo Mundo. Não era tão ruim quanto pudesse parecer, a princípio. Apesar de todo o preconceito que sofria por parte dos nativos, era óbvia a necessidade de seu trabalho. E se os Kamis daquela terra o queriam, não seria ele quem recusaria o chamado. Assim que juntou dinheiro suficiente, mudou-se para a cidade de São Paulo, onde comprou uma pequena propriedade e inaugurou a casa de chá Nisshoku, no bairro Liberdade, onde já muitos japoneses viviam até então.

No decorrer de sua vida, Masato Hashimoto manteve sua cultura ancestral como uma prioridade, sempre tentando mesclá-la aos costumes da então recente cultura dos brasileiros. O ambiente da casa de chá possuía tanto cadeiras ocidentais quanto espaços para os orientais acomodarem-se sentados sobre os joelhos, como em sua terra. Servia todos os clientes com um sorriso cativante e, decorando o topo do ambiente, o leque que trouxera sempre servia como um lembrete do motivo de tudo estar ali. Sempre fazia preces aos Kamis nas manhãs do ano novo ou quando precisasse de uma orientação divina. Funcionando como um altar, o objeto de madeira e papel ganhou tanta importância quanto um símbolo religioso convencional, como um rosário ou um livro sagrado para outras religiões, passando a simbolizar uma ponte entre as duas culturas.

Apaixonou-se por uma de suas funcionárias, Hiroko Satou, com a qual se casou algum tempo depois. Juntos, constituíram família, dando à luz Yuuki Hashimoto, primeiro membro da família a nascer fora do Japão. O filho cresceu com as histórias do pai sobre as divindades da Terra Natal, como a morada dos Kamis em Takamagahara, a trindade de Amaterasu, deusa do sol, Tsukuyomi, deus da lua e Susanoo, deus dos oceanos, assim como diversas bases do xintoísmo, como o culto aos espíritos e aos ancestrais.

Masato viveu uma vida longa e feliz, como ele mesmo sempre dizia. Em seu leito de morte, atacado por uma incurável doença, ele lamentou abandonar a esposa e o filho, mas que mesmo assim mantinha a esperança de que um dia os veria novamente. Partiu com mais de 90 anos, em meados da década de 80.

Assim como Masato, diversos outros japoneses haviam instalado as bases da religião xintoísta no país. Mesmo sem saberem, criaram um terreno fértil para que as crenças se manifestassem naquela terra estranha e maravilhosa que era a América, dando origem à magia e aos espíritos e seres que dela se alimentam.

Havia chegado a era dos Youkais,dos Kamis e, sobretudo, das Garotas Mágicas.

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