Capítulo 34: Miranda

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É estranho como as coisas podem ir de um estremo a outro em um intervalo curto de tempo. Num dia, você tem uma banda. No outro, você é uma Garota Mágica portadora de uma guitarra falante.

Agora, como que um simples pedido, um inocente desejo de querer tocar a música de que gostava, poderia levar à um embate simbólico e etéreo entre as Kamis do Submundo e do Sol? Essa era uma resposta que Miranda gostaria de ter naquele momento.

Com algumas costelas quebradas, uma dor aguda na base da espinha e suas reservas de magia quase no vermelho, a Anjo Negro tentava pensar em uma estratégia para não ser morta. Seu oponente, por sua vez, também não estava muito bem. O poder de Amaterasu, apesar de incrível, cobrava seu preço alto através das mutações que o corpo da pobre garota estava sofrendo.

O tumor cinzento já havia dominado todo o lado esquerdo de seu corpo, crescendo à medida que as cores iam se esvaindo. Era uma experiência surreal de se ver, e ainda pior de se experimentar na pele. De repente, o que era para ser um monstro grotesco acabou sucumbindo sobre seu próprio peso e desabando sobre o chão empoeirado.

É sua chance!, disse Enma Daioh. Acabe com ele!

Miranda investiu contra o oponente caído sem saber ao certo o que faria a seguir. Ajoelhou-se ao lado da massa de carne que pulsava e se retorcia, ainda segurando a espada flamejante na mão humana. Poderia apunhalar a coisa ali mesmo, acabar tanto com seu sofrimento quanto com o seu desejo de vingança.

Por que deveria se importar com aquele gato? Ele só lhe fizera mal, sem nenhum motivo aparente, e a tentara matar mesmo quando ela o poupara. O mundo ficaria melhor sem ele.

Faça...

Será muito fácil fazer...

Basta um empurrãozinho...

Miranda sentiu novamente o toque frio das mãos de Enma nas suas, lentamente a posicionando para fincar a espada no coração do Nekomata.

A lâmina começou a descer, quase chegando a tocar a carne cinza da criatura, mas então algo a deteve. Enma guinchou como se sentisse dor e seu toque frio desapareceu.

Ao olhar para baixo, Miranda viu os tumores e pústulas murcharem, a cor voltando a eles, e a carne se reconstituindo até a forma de uma garotinha com seu macacão de gatinhos novamente. Seu corpo emanou uma fumaça luminosa que se aglomerou no ar até formar a silhueta de uma outra garota, igualmente jovem, com traços orientais e expressão serena no rosto.

–Perdoe-me pelo que fiz. –Disse a Luz com uma voz agradável aos ouvidos. –Tive medo. Mas agora vejo meu erro.

Miranda engoliu em seco.

–Você é... Amaterasu-Ōmikami?

A forma luminosa assentiu. Era como o Sol, na verdade, uma mistura de gases, luz e plasma, com manchas escuras na superfície opaca da pele e que parecia distorcer o próprio espaço à sua volta. –Há muito tempo venho tentando impedir minha mãe de se libertar de sua prisão no Yomi. Mas mesmo com meus irmãos acorrentados e a ajuda de muitas Hanyō, temo que não serei mais capaz de impedi-la...

Sua silhueta tremeluziu como um holograma com defeito e aquilo pareceu ter-lhe causado uma dor tremenda. Manifestar-se nas camadas mais superiores do Takamagahara era quase impossível para um Kami. A deusa não deveria ter mais do que alguns segundos para permanecer ali antes que algo ruim acontecesse a ela.

–O tempo está acabando. Meus irmãos, assim como outros Kamis há muito aprisionados, vão em breve se libertar de suas amarras. E isso causará um desequilíbrio jamais visto pela humanidade.

O Ballet da Garota MágicaOnde histórias criam vida. Descubra agora