Capítulo 7: A Gata de Cheshire

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As noites eram particularmente agradáveis. O ar frio, a iluminação urbana e o silêncio das pessoas reunindo-se para dormir. Era a hora dos demônios, dos seres da noite assumirem o controle do mundo. Um deles, uma gata de pelo branco e olhos dispares aproveitava para explorar a cidade.

Uma das primeiras coisas que o Nekomata ensinara para Mikaella foi a técnica de um bakemono e que possibilita ao usuário alterar sua forma humana para uma forma felina. Um fato do qual se arrependera amargamente na sequência.

Após fazer um contrato, um youkai perdia a autonomia de seu corpo, ficando dependente de seu mestre humano para guiar suas ações. Dependendo do caso, o mestre podia assumir a forma de seu youkai, com algumas vantagens e desvantagens ao fazê-lo. O corpo do Nekomata era igualmente copiado, com excessão do sexo, uma vez que Mikaella era uma garota, e a última coisa em que o youkai gostaria de pensar era em ter outro macho de sua espécie montando em si. Já fora um gato e sabia como as fêmeas eram tratadas nas ruas daquela cidade.

–Mestra –A palavra saia como serragem de sua garganta. –, acho que você poderia ter mais cuidado, ainda mais na condição em que estamos.

–Mas você vai me proteger, não vai?

–Claro que vou, mas, mesmo assim...

–Então não preciso ter medo de nada!

Mikaella disparou, pulando de telhado em telhado, passando por muros e espaços apertados. A sensação de liberdade era incrível depois de meses deitada em uma cama de hospital. Saltou de uma marquise para um beco, pousando sobre uma lata de lixo e a derrubando no processo. Sentiu que deveria arrumar aquela bagunça de alguma forma, mas, antes que pudesse tomar qualquer atitude, uma voz ecoou através do beco.

–Olá, pequena. –Ouviu atrás de si. Das sombras, uma gata cinzenta de olhos verdes surgiu, simpática a princípio. –Nunca a vi por aqui. É nova na cidade?

–Isso não é da sua conta. –Respondeu o Nekomata, separando-se de sua mestra temporariamente, o que assustou a gata de rua. –Vamos, mestra, vamos voltar.

–Mas ela é legal. –Respondeu Mikaella, puxando o próprio corpo de volta.

–Entendi. –Ronronou a outra gata, lambendo a pata e penteando os pelos do rosto. –Você é um espírito, assim como nossa Rainha.

–Rainha? –Perguntou, intrigada. –Quem?

–Quer conhecê-la? Posso levá-la ao nosso castelo.

–Mestra, nós não devíamos...

–Oba! Um castelo!

Naquele ponto, não havia mais o que o youkai pudesse fazer além de acompanhar sua mestra. Se ao menos não estivesse tão fraco, poderia dominar o corpo de Mikaella por completo e levá-la de volta para o hospital, onde era mais seguro com a barreira que havia colocado, mas não tinha condições de fazer isso ainda.

Seguiram a felina cinzenta pelos becos e passarelas da cidade, cruzando áreas inacessíveis aos humanos, passando por marquises no topo de prédios e saltando de telhado em telhado até uma área afastada, onde os prédios da selva de concreto davam lugar à casas menores e mais antigas. Pelo caminho, notaram que outros gatos também se dirigiam para a mesma direção.

–Estamos quase chegando. –Anunciou a gata. –Nossa mestra ficará tão feliz em conhecê-la, Mikaella. Ela adora espíritos.

–E quem exatamente é essa sua mestra? –Perguntou o Nekomata. –Que tipo de youkai ela é?

–Não sei do que está falando. Nós apenas a servimos na morte, assim como a servimos em vida. Meus pais, assim como os pais deles, que eram seus e tinham nomes. Nós não temos mais nomes. Somos todos Um, assim como ela é o Todo.

O Ballet da Garota MágicaOnde histórias criam vida. Descubra agora