Mikaella já havia saído do hospital há vários dias. Nesse meio tempo entre readaptar-se à sua casa e recomeçar a frequentar a escola, dedicou-se à sua tarefa principal como uma Garota Mágica:
Caçar youkais.
Com a ajuda das centenas de milhares de olhos felinos espalhados pela cidade, a garota rapidamente conseguiu reunir magia e prestígio através de duras caçadas. Outras Garotas Mágicas já comentavam sobre a Gata de Cheshire e em como ela poderia vir a ser uma aliada poderosa para o próximo Reisai.
Com o Nekomata ao seu lado e a benção dos Céus em suas mãos, Mikaella era invencível.
–É a oportunidade de mostrar nossa força e superioridade, mestra. –Explicou Arashi. Agora que havia armazenado magia o suficiente, o Nekomata já começava a articular seus planos. –Um Reisai é uma disputa entre todos os Clãs da cidade. Quando ganharmos, poderemos estabelecer um território digno para todos os gatos desta cidade. E para nós, óbvio.
–Parece legal! –Exaltou-se, pulando repetidamente. –Mas como vamos lutar?
–Não podemos fazer isso sozinhos. Vamos precisar de aliados de confiança. Por isso enviamos os gatos atrás de outros youkais gatos que tenham feito contratos.
–Teremos mais amigos?
–Sim, amigos. –Abriu um sorriso cheio de dentes pontudos. –Amigos poderosos e muito úteis para nós.
As notícias corriam rápido através dos gatos. Os que pertenciam à corte de Mikaella, que lutaram contra a tirania sanguinária da Jorōgumo, eram leais e prestativos e consideravam Mikaella como sua nova rainha. Quando transformada, suas orelhas eram sua coroa, suas caudas, um símbolo de seu poder. Era uma Nekomata, o mais alto patamar ao qual um gato poderia chegar, tanto em vida quanto em morte.
Todo o interior daquele velho prédio abandonado havia sido reformado através da criação de um Templo, seguindo as especificações de Arashi. O Yama de Mikaella havia gerado uma enorme e luxuosa mansão, com potencial suficiente para acomodar todos os seus companheiros felinos. Nas paredes multicoloridas, buracos felpudos levavam para casas de gato espaçosas e confortáveis onde a água e a comida nunca se esgotavam e as mães podiam criar seus filhotes em segurança. Pelos corredores, brinquedos e arranhadores, suportes e redes para cochilos, assim como diversas outras atividades estavam disponíveis para os gatinhos se divertirem.
Um verdadeiro paraíso para os felinos.
Assim que passou pelas grandes portas do Salão de Jantar, o gato Siamês, o mesmo que havia jurado sua lealdade à Mikaella após a batalha, curvou-se para sua rainha.
–Minha Senhorita, trago notícias urgentes.
–Pode falar. –Pediu Mikaella. –Algum problema?
–Na verdade, Senhorita, os batedores que enviou recentemente retornaram com duas garotas que alegam ser como você, com o perdão da palavra.
–Isso é fantástico, mestra. –Disse o Nekomata, incorporando-se ao corpo de Mikaella. –Vamos lá fora para conhecê-las melhor.
–Sim! Vamos!
Mikaella saltou de sua cadeira alta e correu até a porta da frente com velocidade sobrenatural. Em poucos segundos já estava de pé em frente ao portal negro que ligava os Mundos, com dois gatos grandes e fortes o vigiando. A garota os agraciou com um sorriso meigo, fez carinho em um deles e atravessou o portal, despontando na noite fria e escura. Alguns metros à frente, do outro lado da cerca e do arame farpado, estavam duas garotas rodeadas por quatro de seus gatos.
–Soubemos que havia um Nekomata aqui. –Disse a mais velha das garotas, tragando um cigarro. Abriu um sorriso assim que viu as caudas brancas, longas e brilhantes de Mikaella. –Então é você? Legal! –Com as mãos enfiadas nos bolsos, a garota saltou a cerca, deu uma pirueta no ar e caiu sobre o chão de pedra e cascalho sem nenhuma dificuldade aparente. Atrás, a garota que ficara do outro lado assumira sua forma felina, um gato branco e tigrado, e rastejou por baixo da cerca, voltando à forma humana em seguida.
–Vieram juntar-se a nós? –Questionou Mikaella.
–Com certeza! –Respondeu a mais velha, animada com o cigarro entre os dentes. Em sua cabeça, duas orelhas de fogo surgiram, ao passo que uma estranha cauda em forma de Y, com as pontas igualmente em chamas, apareceu em suas costas. Ela tragou mais uma vez o cigarro, liberando a fumaça para o alto como uma chaminé. –Sou Lia. Essa aqui é a Kiara. –Indicou a companheira. –Soubemos que é forte, e que procura outras fortes como você. Bom, aqui estamos.
Lia tinha um ar de arrogância em sua voz. Usava uma camisa preta longa, tênis all star e meias 3/8 com desenhos de gatinhos. Seu cabelo tinha um tom artificial de laranja e descia pelo belo corpo até metade das costas, onde terminava em pontas azuis e roxas. Já Kiara, que até então não havia dito uma só palavra, parecia não ter mais do que 12 anos e tinha a pele cor de café, olhos grandes e brilhantes emoldurados por um par de óculos vermelhos e cabelos encaracolados que escorriam por sua cabeça. Usava um vestidinho branco de renda e sapatilhas, também brancas.
Kiara chamou a atenção de Lia puxando a barra do camisão, fazendo alguns gestos para a garota. A mais velha assentiu, concordando.
–O que estão fazendo? –Perguntou Mikaella.
–Desculpa. É que a Kiara é surda. –Explicou Lia. –Isso que elas faz com as mãos são gestos em Libras. Eu mesma ainda estou aprendendo, então é mais mímica do que uma linguagem de fato.
–E o que ela disse?
Kiara fez mais alguns gestos. Lia prestava bastante atenção a cada um deles para ter certeza de transmitir a mensagem certa.
–Disse que está feliz por finalmente conhecer você. E que os gatos elogiaram muito você.
Kiara fez uma pequena reverência para Mikaella, complementando a explicação da companheira.
–Podemos entrar? –Perguntou Lia. –Estou congelando aqui fora.
–Preciso que aceitem meu selo para entrar. –Disse Mikaella. –É a única condição.
Lia deu de ombros. –Parece divertido. –Estendeu as costas de sua mão direita para Mikaella, que depositou ali um beijo suave. Um selo mágico no formato de um rosto de gato arranhado por três garras surgiu no local na sequência. –Bacana! Finalmente estou em um Clã!
Kiara foi a próxima, apesar de estar levemente assustada. Após Lia lhe explicar do que se tratava, a garota também recebeu o Selo do Clã de Cheshire.
–Bem-vindas à Toca do Gato, garotas. –Anunciou o Nekomata, finalmente surgindo na cena. Tinha no rosto felino seu característico semblante de superioridade felina. –Tenho certeza de que servirão muito bem aos nossos propósitos futuros.
* * *
Logo após apresentar para suas novas companheiras o interior do Templo da Toca do Gato, Mikaella, na forma de uma gata branca, retornou para sua casa. O apartamento de seus pais ficava no sétimo andar, o que não era nenhum problema para ela naquela forma. Abriu a janela de seu quarto e rastejou para o interior em completo silêncio, retornando para sua forma humana. Arashi saltou de seu peito, pousando sobre o tapete cor de rosa sem produzir qualquer ruído.
–Fez bem hoje, mestra. Mostrou a elas que é uma líder.
–Será que ficaram bravas comigo? –Disse, colocando seu pijama com estampa de girafa. –Elas pareciam assustadoras.
–Todas as Garotas Mágicas são assim. –Explicou. –Já lhe contei a história de como me machuquei.
Segundo o Nekomata, uma outra Garota Mágica quase o matara com o veneno mágico de uma serpente. Por muito pouco que o pobre gatinho conseguira fugir de sua inimiga malvada.
–Ninguém vai sentir mais dor. –Advertiu Mikaella, deitando em sua cama. Ao lado, sobre uma mesinha de cabeceira, estava aceso um abajur com uma pequena bailarina em sua base. –Machucar gatinhos não é legal. Vamos fazer ela parar com isso. Todas elas.
–Muito bom, mestra. –Saltou sobre a cama, deitando aos pés de Mikaella. –Mas, primeiro, precisamos de um plano para pegá-la.
Mikaella fechou os olhos, caindo em um sono profundo. Sonhou com um mundo onde ninguém mais precisava sentir dor, fosse uma pessoa, um gato ou qualquer coisa viva. Um mundo mágico onde todos eram felizes e sorridentes. Ela faria esse mundo acontecer. Agora tinha poder para fazer isso, poder para mudar o mundo.
E não deixaria que ninguém,nem qualquer coisa, ficasse em seu caminho.
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O Ballet da Garota Mágica
Fantastik"𝙎𝙚𝙧 𝙪𝙢𝙖 𝙂𝙖𝙧𝙤𝙩𝙖 𝙈𝙖́𝙜𝙞𝙘𝙖 𝙚́ 𝙘𝙤𝙢𝙤 𝙖𝙥𝙧𝙚𝙣𝙙𝙚𝙧 𝙗𝙖𝙡𝙚́: 𝙧𝙚𝙦𝙪𝙚𝙧 𝙥𝙚𝙧𝙨𝙚𝙫𝙚𝙧𝙖𝙣𝙘̧𝙖, 𝙙𝙞𝙨𝙘𝙞𝙥𝙡𝙞𝙣𝙖, 𝙛𝙤𝙘𝙤 𝙚, 𝙥𝙧𝙞𝙣𝙘𝙞𝙥𝙖𝙡𝙢𝙚𝙣𝙩𝙚, 𝙩𝙧𝙚𝙞𝙣𝙖𝙢𝙚𝙣𝙩𝙤". Abordando a mitologia e o folclore j...