Capítulo 2: O Gato Demônio

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A pior coisa em um ambiente escolar não é estar na companhia diária de pessoas de que você não gosta, as aulas maçantes ou o ambiente carcerário e opressor que acaba se formando dentro da instituição. É o barulho.

Pessoas falam. Isso é normal, até certo ponto. Jovens, principalmente adolescentes, falam muito. O som percorre cada centímetro de espaço, cada recanto e beirada que consegue encontrar para se propagar, como um grande vírus ou uma praga incontrolável. Miranda tentava se concentrar na voz de seu professor de biologia, mas era uma guerra perdida. Uma pessoa falando, por mais que tente, não consegue vencer outras trinta.

–Isso é uma perda de tempo. –A guitarra se manifestou ao seu lado. –Deveríamos estar matando youkais.

–Você só consegue pensar nisso? –Bufou, debruçando-se sobre a carteira.

–Basicamente, sim.

"Lutar contra os youkais". A frase que mais havia escutado naquele dia. Ninguém, nem mesmo a guitarra, parecia disposto a lhe dizer o que era um youkai. Poderia até pesquisar na internet o significado, caso não tivesse esquecido o celular em casa devido ao susto que levara logo após acordar.

–Estou curiosa com uma coisa. –Disse mentalmente. –Como espera que eu lute? Sou fraca, mal sei me defender.

–Eu serei sua arma, mestra. Por isso pedi que me trouxesse consigo. Quando a hora chegar, estaremos prontos para combater o inimigo.

–Isso não respondeu a minha pergunta.

–Em todo caso, ainda sinto a presença daquele youkai por perto. Precisamos ter cuidado, mesmo que não esteja nos ameaçando. Nunca se sabe como podem agir.

O sinal do intervalo soou, dando um descanso tanto para o professor quanto para os ouvidos de Miranda. Aproveitaria aquele momento para descansar e, quem sabe, afinar seu instrumento. Esperou que a maioria saísse da sala, abriu seu estojo e retirou a guitarra-fantasma de seu casulo. Sentou-se sobre a carteira, apoio o instrumento num dos joelhos e começou a testar as cordas.

–Ótima ideia, mestra. Quando mais afinado eu estiver, melhor será o som de nossa vitória.

–Não preciso fazer muita coisa, pelo jeito. Quem quer que tenha jogado você fora sabia como afinar uma guitarra.

–Infelizmente, eu era apenas uma guitarra quando isso aconteceu. Não tenho lembranças de meu antigo mestre.

–Bom, não faz mal. Deve ter tido um bom motivo para ter feito o que fez.

Experimentou tocar assim que finalizou o processo, mas, como já imaginava, o som não foi o que deveria ser, embora também não fosse de todo ruim. Após alguns minutos tocando e ajustando o som, conseguiu uma harmonia que parecia funcionar bem o suficiente sem o amplificador. Óbvio que o som não era muito alto, mas, aos ouvidos de Miranda, era alto o bastante.

A familiaridade com o novo instrumento era assustadora, como se o tivesse tocado durante toda uma vida.

Aquele era seu desejo, afinal.

–Vejo que melhorou com a guitarra. –Assustada, Miranda interrompeu o som. Havia se distraído com os acordes, não percebendo a aproximação repentina de Luna. –É um belo instrumento.

–Obrigada, eu acho. –Deu um sorriso torto. –Precisa de alguma coisa?

–Algo do tipo. Poderia me encontrar depois da aula?

–Por quê? Não pode me dizer agora?

–É complicado. Entende? O intervalo já vai terminar e eu preciso de tempo. –Ajeitou os pequenos óculos sobre o nariz fino. –Não se preocupe, hoje não teremos ensaio.

O Ballet da Garota MágicaOnde histórias criam vida. Descubra agora