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Dentro do ônibus, João Paulo maquinava de como seria todo o procedimento para roubar o pobre louco, que acabara de conhecer.

Primeiro, diria à ele que a passagem era vendida na Rua César Mário, no Centro. Chegando lá, por ser a rua mais deserta e com menos escolta policial, tomaria todo dinheiro e sumiria. Iria encontrar com os pais que, certamente, estariam na Praça das Fontes.

- Ei, ei, ei! Se der, eu vou hoje viu, se der, eu vou hoje.

- Macho, tenha nervo, tu vai pro teu interior hoje 'mermo', mah, tranquilizava João Paulo.

Quanto mais se aproximava, João Paulo ficava mais tenso e ansioso. Ao descer no Centro desértico, se sentiu em casa.

- Vamos lá, Raimundo, lá na Rua César Mário, é onde vende as 'passage'.

- Tá certo viu, tá certo, concordou o louco.

Quinze minutos de caminhada. A atmosfera estava perfeita para a cartada final de João Paulo.

- Tire aí o dinheiro e vamos contar quanto tem, disse o rapaz.

- Bora mah, bora sentar, concordou o lunático.

Ambos se sentaram no chão sujo. Era meia noite. Tudo estava do jeito que João Paulo havia planejado mentalmente desde o terminal.

Ainda na contagem, numa distração de Raimundo, João Paulo, de súbito, levantou, deu um chute no rosto de Raimundo que ainda estava sentado. Tomou rápido as moedas e algumas cédulas de pouco valor.

Foi tudo muito rápido, mas Raimundo deu um pulo e ao levantar-se, tirou do terno esfarrapado uma faquinha de mesa. Feito um gato, o louco investiu no rapaz e, veio uma dor fina. João Paulo foi atingindo no braço. Raimundo, diferente de João Paulo, era mais alto e forte, o que era uma vantagem para uma briga.

Quando o sangue jorrou do braço direito de João Paulo, esteventrou em desespero. E o louco gritava a plenos pulmões:

- Tu, tu,tu queria era me roubar, seu ladrão safado, fi duma égua.

- Vá se fuder, doido do 'carai'.

Quando Raimundo, mais ligeiro, veio rumo ao rapaz, sempre com a faca na mão, João Paulo mesmo ferido não hesitou: correu em disparada. Seu coração saltava no peito e seu desejo era fugir daquele louco, que estava numa fúria, que poderia facilmente matá-lo.

João Paulo correu e um rastro de sangue marcou seu caminho. Quando parou, perto da Praça das Fontes, notou que Raimundo já não estava à vista. Sentiu-se acalmo. Pálido, derrotado, o grande plano havia dado errado e nisso ele acabara de perder até mesmo o seu suado dinheirinho.

Viu, de imediato, o carrinho de reciclagem dos pais. Agora zonzo, João Paulo cambaleava e, ao chegar no carrinho, acordou Nazaré, sua mãe, para de imediato acudí-lo.

- Meu Deus, o que foi isso, meu fii, pelo amor de Deus? Perguntou a mãe apavorada quando deu um salto do carrinho e viu o filho sangrando.

- Depois falo, mãe, comentou o rapaz.

João Paulo havia perdido muito sangue. O pai, Jerônimo, de um pulo, saiu da marquise perto de onde o carrinho estava estacionado e correu em direção ao filho.

- A gente tem que ir pra emergência agora, falou Jerônimo que, rapidamente, segurou o filho e o colocou dentro do carrinho de reciclagem vazio.

Atordoados, chegaram à emergência do hospital, que ficava a 500 metros dalí. Com pressa, Jerônimo levava o filho no carrinho e, desesperado, era seguido pela mãe que chorava copiosamente.

No pronto socorro, João Paulo foi logo levado para triagem. As enfermeiras, sem ética nenhuma, evitavam o paciente por pura repugnância em tocá-lo.

O cheio de sangue e de dias sem banho pairavam no ar do corredor. Deitado na maca, ao lado da mãe, João Paulo via várias pessoas feridas à faca, à bala, de todo modo que aquilo o assustou. Duas horas depois, foi atendido e levou treze pontos no braço.

Horas depois, a família estava de volta à praça. João Paulo estava com medo, deitado no carrinho de reciclagem. Temia que Raimundo o achasse.

Nazaré e Jerônimo deitaram ao lado do carrinho para, assim, mostrar confiança e ajudar em qualquer dificuldade que o filho ferido tivesse. Aquele foi talvez um dos poucos momentos em que a família estivera unida fora do intuito de usar drogas.

Nazaré deitada no chão frio, nos papelões, junto a Jerônimo, orava a Deus para que, um dia, saíssem daquela vida e tivessem condições de ajudar o filho. O medo do futuro, a fome, a miséria, faziam parte de um quadro abstrato no qual a família estava presa como eterna refém.

Nazaré, no entanto, tinha fé em Deus e em Nossa Senhora Aparecida, que um dia tudo iria mudar.

A família, então, adormecida no chão frio coberto de papelão, estava feliz por, outra vez, estar unida novamente. O amanhã a Deus pertence, pensou assim João Paulo que, ao cair ao sono, chorava de dor e fome.

João Paulo sonhou que um jovem casal que, com um bebezinho no colo, lhe mostrava uma nova vida e olhando-se para si, o rapaz se viu como um personagem rico de um filme da Sessão da Tarde.

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