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O João Paulo descansava no velho colchão. Estava num aglomerado de mais cinco colchões iguais ao dele, desgastados e sujos.

Agradecia as sombras das tímidas árvores, que eram como a sombra da mão de Deus sobre ele.

O mal cheiro vindo dos colchões e dos dejetos causavam juntos um odor terrível e se confundia ao da fumaça dos cigarros, escapamentos de carros e motos, assim como o da comida fresca das cantinas e pragas de alimentação.

A Praça era como uma enorme casarão de portas abertas. Ao longe, o gigantesco relógio local tocava às exatas 16h00 horas: gritando e lhe indicando uma realidade para qual existem horas, minutos, segundos; sinalizando o tempo que fazia João Paulo sair dos sonhos de mudar de vida.

Levantou-se, sentou-se no chão e começou a observar que cada palmo de chão era disputado. Ao final, os únicos livres ali eram os pombos que voavam por todo o lugar em divina sincronia.

Certamente os pombos são mais felizes que eu, pensou João Paulo e teve inveja por não ter asas para também poder voar.

Esfregou as mãos imundas nos olhos e escutou o ronco da fome que não podia ser outra vez ser driblada.

O sino do relógio outra vez tocava. Aquele som fez novamente sua cabeça girar e logo notou, ao lado, outros moradores comendo. Não lhes pediu nada: seus olhos fizeram isso por ele. Em poucos minutos, João Paulo estava com uma quentinha de comida, que exalava um cheiro forte de azedo. Comia sem cerimônias e sem talher.

Uma brisa trouxe um forte odor de fezes. Observou uma criança a defecar por trás do banco, dentro de uma pequena caixa de papelão. Voltou a atenção para comida, mas já havia acabado.

Seus pais ainda não haviam chegado.

Em meio às conversas altas, uma criança lhe chamou à atenção. A mãe do bebê era apenas uma adolescente que aparentava dezesseis anos. De pé, andava em círculos, na tentativa de acalmar o filho que berrava de fome.

- Só pode ser fome, pensou João Paulo comovido.

O pai do bebê sentando no colchão, ferido, estava petrificado diante da situação. Ele também era apenas um adolescente, o que revelava o medo e a impotência.

A jovem mãe desabou com o filho no colchão, no qual outras crianças pulavam. Segundos depois, surgiu da multidão, uma freira que trazia consigo fraldas e comida para o bebê que ele observava ao longe.

João Paulo olhava tudo, enquanto o enorme relógio tocava. De repente, todos que ali estavam deitados ou sentados, levantaram-se aos pulos. A mulher, de aspecto elegante e limpo, distribuía alí chocolates para todos os moradores de rua. Tudo de maneira tão rápida que ao pensar em levantar, já havia acabado e a mulher estava indo embora.

Risos eram tão bom ouvi-los em meio a fome avassaladora e o mal cheiro de fezes e de urina.

A tarde ia-se embora, a enorme Praça era um mundo desigual e triste. Agrupados dentro daquele grande cogumelo vivo, eles eram seres humanos invisíveis.

Alguém sempre poderia ajudar com alguma coisa. Ninguém precisava perguntar a João Paulo e às crianças ou aos demais dalí se precisavam de comida, teto, emprego, uma chance de outra vez voltar ser gente, de ser cidadãos. Era necessário apenas ação.

Os pensamentos de João Paulo estavam a vagar na ferida aberta dentro do centro da cidade.

Uma mãe banhava um filho com uma garrafa d'água. Pensar que teria olhos para ver isso e muito mais nas ruas. Não queria pensar, não queria ter olhos para ver tanta miséria. Aquelas visões machucavam João Paulo.

- Deus, mostra uma porta para eu sair dessa vida. Não me abandona, me leva com Senhor para o paraíso, só assim nunca mais terei fome nem sede.
Sem se dar conta, em voz alta, João Paulo se apercebeu que estava dialoga com Deus.

- João Paulo? Era a voz de Nazaré anunciando sua chegada.

- Mãe!!!!

- Meu fii, hoje vamos comer feijoada.
Disse Nazaré com as mãos abraçada a comida comprada para o filho.

João Paulo agradecia mentalmente a Deus por não esquecê-lo. A noite, então, começava, e, graças a providência divina, a fome havia sido estancada.

Juntaram-se e num lauto banquete deliciavam-se daquela comida abençoada que fora trazida pelas mãos daquela mulher que o botara no mundo e pelo qual daria sua própria vida.

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