Depois de três horas na sala de cirúrgia, o Dr. Martim saiu exausto do plantão de 42h. Antes, porém avaliou o prontuário do paciente João Paulo, que teve médio traumatismo craniano e, no momento, estava em coma induzido.
Embora fosse algo comum do cotidiano hospitalar do médico, ainda assim odiava dar notícias ruins. Seu caráter
e empatia faziam dele um médico acima de sua profissão, todos admiravam o seu jeito amigável e social.Criou forças para noticiar aos familiares sobre o estado de saúde do paciente. Caminhou pensativo pelos corredores a procura da mãe do rapaz. Ao longe seus olhos logo encontraram os de Nazaré. Hesitou, observou a mulher e o marido sentados na cadeira e uma jovem dormindo ao lado.
Sabia mesmo sem dizer uma palavra ou fazer uma pergunta que aquelas pessoas eram reféns das drogas. Ele sabia, pois seu passado era tão nefasto e, um dia, fora ele próprio refém das drogas, do álcool e beirou aos extremos e abismos da insanidade do uso.
Não os identificava pelas roupas esfarrapadas, os pés sujos ou o aspecto físico raquítico. Identificava-os pelos olhos. Os olhos, os olhos diziam o que a boca não fala, denunciavam sem palavras o fundo de poço daquilo que o Dr. Martim deduziu ser uma família.
O médico, gentil cirurgião, era um ex usuário, no outrora bem remoto. Ninguém sabia de sua história, ninguém desconfiava que, por trás de um jaleco branco, o homem dingo de hoje trazia em seu âmago um monstro adormecido.
A dependência fez dele um rato, um farrapo humano que beirou tantas vezes o fundo de poço, mas que foi resgatado por um Poder Superior e uma irmandade de homens e mulheres cuja a vida foram destruídas pelas drogas.
- Boa tarde, Sra. Nazaré, sou Dr. Martim, apresentou-se de maneira gentil e a mulher finalmente saiu do terreno das orações e fincou pé na realidade.
- Boa tarde, doutor, me diga, pelo amor de Deus, como está meu filho? Indagou a sofrida mãe.
- Sra. Nazaré, seu filho João Paulo está estável, mas requer muita atenção. No momento, ele está em coma induzido.
Jerônimo e Tiffany se lamentavam aos prantos. Nazaré se mantinha como uma rocha. Ouvia atenciosamente o médico como se entendesse da determinada linguagem técnica que ele usava. A mulher escutou tudo calada, depois de uns quinze minutos, o médico concluiu.
- Família, tenha paciência e mantenha a fé que tudo dará certo. Obrigado pela atenção.
Dito isso, sorriu tímido, olhou nos olhos de Nazaré e saiu.
Aos poucos, sumia naqueles enormes corredores, cujo cheiro de doença e morte imperavam diante do odor de éter e outros desinfetantes hospitalares.
O médico sumiu das vistas de todos, mas Nazaré estava aliviada, feliz pelo êxito do milagre. Deus ouvira suas preces, suas orações. A mulher está grata pelo primogênito estar vivo.
Dr. Martim, em sua rotina diária, levava consigo os rostos daquelas pessoas e no seu interior pedia que, no outro dia, João Paulo estivesse fora do coma e em franca recuperação.
![](https://img.wattpad.com/cover/190916756-288-k409561.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Sagrada Família
AdventureDissecando a fome e o que existe de mais repugnante, a doença dos vícios, a escravidão e a profunda miséria humana. Este é A Sagrada Familia: Pai, mãe e filho dependentes químicos, moradores de rua que vagam como andarilhos por todo lugar carregando...