24

6 3 2
                                    

Na troca de acompanhantes, Nazaré, exausta, caminhou alguns quilômetros até chegar à casa de Tiffany. No íntimo, algo dizia para a mulher: "não vá".

Casmurra, seguiu o caminho. Quanto mais se aproximava, mais o coração lhe saltava pela boca.

Ao chegar, chamou pela amiga, mas ninguém atendeu. Resolveu, por instinto, entrar na casa, que estava com a porta entre aberta.

A casa de ar denso, estava pior que outrora. Seguiu, pausadamente, até que parou. Na sutil escuridão de um recente crepúsculo, pode ver o rastro de sangue. Continuou, atenta e com medo, sorrateiramente e deu de cara com Tiffanay.

Aqueles olhos castanhos e perdidos, abertos como quem quer dizer algo que esta na ponta da língua. Sentada ao chão, bem vestida e maquiada, porém banhada no próprio sangue.

Nazaré exclamou:
- Deus, tenha misericórdia!!!

Nos pulsos, o sangue cristalizado nos cortes. Ela havia cortado os pulsos com uma gilete.

Atônita, Nazaré a encarou. Não havia hematomas aparentes, apenas um cigarro nos dedos e a gilete prateada.

As lágrimas não saiam de seus olhos. Aquela cena a aturdiu e a colocou em um estado de profundo choque.

Tudo estava em suspense: não havia chão para as duas ali naquele casebre.
Delicadamente observou, sem entender, a amiga morta. Nazaré se atacou e, ambas, ficaram cara a cara. As lágrimas, sem soluços, surgiram como nascentes d'águas no rosto de Nazaré.

- Porque, minha filha? Perguntava para a morta que a encarava.

Tocou em seu rosto, seus cabelos, beijou-lhe a testa. Com as palmas das mãos abertas, com carinho, orava mentalmente para que Deus a recebesse e a perdoasse pela loucura que fizera consigo mesma. Depois com a mão direita, deslizou-a na testa até o rosto e, assim, selou os olhos da amiga.

Saiu da casa silenciosamente, sem olhar para trás.

Minutos depois, Nazaré estava na igreja de Nossa Senhora da Assunção e orava pelo filho, por Tifanny. A mulher estremecia de fome e de agonia, ainda assim mantinha firme os olhos na imagem de Jesus crucificado. Naquele momento algo sussurrou lhe ao ouvido: "obrigada".

Olhou para trás, não era ninguém, mas reconheceu a voz e continuou as orações.  Ali era o único momento que sentia paz, que se sentia acolhida pelo poder invisível que a mantinha firme, forte e limpa. 

Horas depois pessoas chegaram e rapidamente notaram a presença e o mal cheiro que Nazaré exalava. Mas, para a mulher sem lar, ali não havia ninguém, ainda que o padre, com todo os preparativos da missa, estivesse pronto para começar a liturgia.

Nazare ajoelhada ao banco, estava distante de todos e a realidade dos fatos e do que surgia ao redor não existiam para ela. Havia apenas ela, Deus, Jesus, Maria, José e Nossa Senhora da Assunção, que tomava agora seu caminho.

Ainda que  abatida e triste, saiu resignada da igreja e foi direto para o abrigo. No abrigo foi alimentada. 

Naquela noite não durmiu. Os olhos de Tiffany queriam dizer algo que a boca selou. Assim foi a noite inteira, até talvez cogitar o que aqueles olhos abertos de alguém morto queriam dizer. "Estou livre", eis o que olhos diziam.

Nazaré foi pega pelo cansaço. Estava exausta de pensar.  Orou outra vez e, quando menos esperava, havia adormindo profundamente.

A Sagrada FamíliaOnde histórias criam vida. Descubra agora