Na troca de acompanhantes, Nazaré, exausta, caminhou alguns quilômetros até chegar à casa de Tiffany. No íntimo, algo dizia para a mulher: "não vá".
Casmurra, seguiu o caminho. Quanto mais se aproximava, mais o coração lhe saltava pela boca.
Ao chegar, chamou pela amiga, mas ninguém atendeu. Resolveu, por instinto, entrar na casa, que estava com a porta entre aberta.
A casa de ar denso, estava pior que outrora. Seguiu, pausadamente, até que parou. Na sutil escuridão de um recente crepúsculo, pode ver o rastro de sangue. Continuou, atenta e com medo, sorrateiramente e deu de cara com Tiffanay.
Aqueles olhos castanhos e perdidos, abertos como quem quer dizer algo que esta na ponta da língua. Sentada ao chão, bem vestida e maquiada, porém banhada no próprio sangue.
Nazaré exclamou:
- Deus, tenha misericórdia!!!Nos pulsos, o sangue cristalizado nos cortes. Ela havia cortado os pulsos com uma gilete.
Atônita, Nazaré a encarou. Não havia hematomas aparentes, apenas um cigarro nos dedos e a gilete prateada.
As lágrimas não saiam de seus olhos. Aquela cena a aturdiu e a colocou em um estado de profundo choque.
Tudo estava em suspense: não havia chão para as duas ali naquele casebre.
Delicadamente observou, sem entender, a amiga morta. Nazaré se atacou e, ambas, ficaram cara a cara. As lágrimas, sem soluços, surgiram como nascentes d'águas no rosto de Nazaré.- Porque, minha filha? Perguntava para a morta que a encarava.
Tocou em seu rosto, seus cabelos, beijou-lhe a testa. Com as palmas das mãos abertas, com carinho, orava mentalmente para que Deus a recebesse e a perdoasse pela loucura que fizera consigo mesma. Depois com a mão direita, deslizou-a na testa até o rosto e, assim, selou os olhos da amiga.
Saiu da casa silenciosamente, sem olhar para trás.
Minutos depois, Nazaré estava na igreja de Nossa Senhora da Assunção e orava pelo filho, por Tifanny. A mulher estremecia de fome e de agonia, ainda assim mantinha firme os olhos na imagem de Jesus crucificado. Naquele momento algo sussurrou lhe ao ouvido: "obrigada".
Olhou para trás, não era ninguém, mas reconheceu a voz e continuou as orações. Ali era o único momento que sentia paz, que se sentia acolhida pelo poder invisível que a mantinha firme, forte e limpa.
Horas depois pessoas chegaram e rapidamente notaram a presença e o mal cheiro que Nazaré exalava. Mas, para a mulher sem lar, ali não havia ninguém, ainda que o padre, com todo os preparativos da missa, estivesse pronto para começar a liturgia.
Nazare ajoelhada ao banco, estava distante de todos e a realidade dos fatos e do que surgia ao redor não existiam para ela. Havia apenas ela, Deus, Jesus, Maria, José e Nossa Senhora da Assunção, que tomava agora seu caminho.
Ainda que abatida e triste, saiu resignada da igreja e foi direto para o abrigo. No abrigo foi alimentada.
Naquela noite não durmiu. Os olhos de Tiffany queriam dizer algo que a boca selou. Assim foi a noite inteira, até talvez cogitar o que aqueles olhos abertos de alguém morto queriam dizer. "Estou livre", eis o que olhos diziam.
Nazaré foi pega pelo cansaço. Estava exausta de pensar. Orou outra vez e, quando menos esperava, havia adormindo profundamente.
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A Sagrada Família
AbenteuerDissecando a fome e o que existe de mais repugnante, a doença dos vícios, a escravidão e a profunda miséria humana. Este é A Sagrada Familia: Pai, mãe e filho dependentes químicos, moradores de rua que vagam como andarilhos por todo lugar carregando...