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Quando Jerônimo parou de correr, não sabia a extensão que havia estabelecido a consciência exato dos fatos ou a prova cabal que outra vez Deus lhe havia concedido nova chance. Não havia notado quando enxugou o suor nas costas da mão, o salgado das lágrimas misturado ao suor: aquilo era uma espécie de batismo de águas salgadas da noite.

Exausto caiu ao chão, no meio fio.

O sol cuspia a cara suja, ainda assim abriu os olhos devagar. O primeiro pensamento que passava na mente era, pois, que estava vivo e pelo barulho de gente ainda estava no centro da cidade.

Levantou lentamente, como em metamorfose: estava saindo do casulo escuro, sutilmente mexia os dados, sentia o ar entrar nos pulmões, estava nascendo. Ficou de pé, era um digno homo sapiens. Caminhou tranquilo em direção ao hospital onde o filho estava internado. Pensou na noite anterior, na astuta mulher que furou Gustavo com punhal.

Depois tentou apagar os acontecimentos daquele passado recente, com êxito resgatou os melhores momentos da vida quando João Paulo era uma criança, quando ainda tinha um teto.

Na vida de usuário de drogas e do desprezo que sofria na sociedade e parentes e de tantos acontecimentos, entretanto aquilo que viveu na noite anterior e nessa linha de pensamento concluiu que ficaria livre das drogas, que venceria o vício custasse o que custasse.

Entrou tímido no hospital. De pronto, viu a mulher adormecida sentada numa cadeira. Silenciosamente observou, por alguns minutos a mulher. A mulher, ela, sim, aquela mulher valiosa e tão forte quanto ele. Ele a amava, ainda que por vezes fosse indiferente. Aquela mulher era ela a mulher com quem queria estar ao lado o resto da vida.

Com as mãos sujas acariciava o rosto da mulher que, pouco a pouco, despertava. Nazaré abriu os olhos e a primeira coisa que viu foi a figura de um homem sujo, cujo os olhos brilhavam em lagrinas cristalizadas. Aquela visão de anjo caído, arrependido e um estranho olhar de vencedor fez a raiva que sentiu na noite passada sumir.

- Mulher.

Ela direcionou de súbito aos olhos do homem exatamente quando ele disse mulher, aquele timbre de voz que não hesitava e simplesmente disse mulher, aquele timbre, justamente aquele timbre e a forma que falou: Mulher. "Nazaré então se fez mulher, o homem que a chamava também se fez homem." Levantou-se, manteve os olhos nele sem piscar.

- Eu te amo.

Jerônimo falou aquilo com coração cheio. Nazaré incrédula no que estava sucedendo, abraçou o homem, o seu companheiro. Ela o abraçou tão forte e ambos não conseguiam segurar as lágrimas.

Fazia tanto tempo que o casal não expressava afeto, as drogas destruíram toda afetividade de ambos.

Aquela manhã zerou tudo, Nazaré não questionou o homem sobre a noite passada, nem Jerônimo relatou o que ocorrera. Enfermeiros passavam entre os pacientes e as pessoas que aguardavam algum parente ou estavam a espera de serem atendidas. Eles traziam num carrinho cafés e biscoitos.

Enquanto comiam, Jerônimo perguntou por Tiffany.
- Ela foi para casa, disse que vem de tarde.
Respondeu Nazaré.

- O médico deu notícias?
Indagou Jerônimo

- Ainda não.
Retrucou Nazaré acabrunhada.

Tiffany não apareceu à tarde como havia prometido. À noite, logo após jantarem a sopa, o médico surgiu inesperadamente na direção de Jerônimo e Nazaré.

- Boa noite, o senhor e a senhora são os pais de João Paulo?

O perfume do médico jogava Nazaré em belos jardins de medo.

- Sim, somos, respondeu Jerônimo.

- Tenho notícias sobre o quadro do paciente, disse o médico sem expressão.

O mundo, então outra vez girou, mentalmente o casal pediu a Jesus, Maria e José que o doutor desse boas notícias.

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