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Antes do despertar da consciência, sonhou com a família e com Tiffany sentados na areia da praia. Elas observavam Jerônimo e João Paulo tomando banho de praia. Elas, tão belas, a tomar água de coco. Parecia um fim de tarde, um pôr-de-sol surgia tímido. As ondas ao se chocarem com as pedras, faziam um certo barulho, mas que não assustava mas lhes causava paz.

De repente, o tempo fechava e tudo escurecia. Todos corriam por conta da chuva e os raios. O sinal tocou, Nazaré acordou aos prantos. Maquinalmente se levantou, sem arrumar a beliche que dormira. Foi ao banheiro e se deparou com um reflexo de uma mulher de meia idade, mas que apenas tinha um pouco mais de 40 anos. O espelho trincado denunciava um rosto enrugado, de olhos castanhos e tristes, mais tristes que a própria tristeza.

Tomou o banho coletivo com as outras mulheres.  Na sequência se secou, vestiu suas roupas, tomou café e, num instante, estava na rua.

Na Praça das Fontes, que o governo cercou para que os sem teto não bebessem da água ou lavassem com ela o corpo e os trapos, Nazaré se sentiu plenamente sozinha. Pensava nos olhos da Tiffany a lhe dar um eterno adeus, no filho que fazia semanas não saia do coma e do marido.

Uma abstinência lhe tomou conta: um desejo tão profundo que lhe gritava corpo adentro. A alma implorava, toda formação humana e as promessas e os fatos ficavam distantes em face daquele desejo indomável do uso, de um gole, de um trago. Uma fuga sem racionalização nenhuma. Uma fuga colocava-lhe o corpo trêmulo e a alma agonizava. Seria apenas um trago, uma anestesia para aliviar a brutalidade que seus olhos viram e gravaram na mente pelo resto da vida.

Quando deu por si, seus pés caminhavam em direção ao um sujo bordel no qual aposentados iam fazer sexo barato, beber e jogar baralho. O local se chamava Copacabana. Naquele recinto vagou pelas salas, viu telas conectadas a pornôs, homens a se masturbarem na penumbra. O ar denso, a caçada por alguém que lhe alimentasse a fome que lhe comia as vísceras e lhe castigava a alma.

Sentou-se na cadeira na parte do local onde havia luz: era um barzinho repleto de mesas onde se jogava baralho e dama. De pronto, um homem que aparentava 75 anos se aproximou e sem rodeios começou a alisar as penas de Nazaré, cujas varizes expostas doiam como feridas recentes.

O homem cheirava a bebida e cigarros. Nazaré pediu uma dose de cachaça amarela, que logo estava em suas mãos. Nazaré fechou os olhos enquanto o velho suspirava sacanagens ao pé do ouvido. Tomou a dose lentamente e sentiu-se rasgar a si ao mesma enquanto a dose lhe causava um falso alívio. A dose penetrou como uma facada atingindo um corpo na parte certa mais sensível. A partir dali não era mais Nazaré, era apenas uma drogada, uma alcoólatra, uma prostituta velha e fácil.

O homem foi ao banheiro, tomou um viagra, vulgo azulzinho, lavou as mãos e saiu. Levou Nazaré para uma sala privada onde fizeram sexo e toda sorte de aberrações que durou em torno de longos 40 minutos. Nazaré contava mentalmente cada minuto e orava para que o sujeito ejaculasse o mais rápido possível.

Após a ejaculação, o homem rapidamente se vestiu, puxou da carteira 30 reais e os jogou ao chão. Nazaré sentia-se apenas um receptáculo onde alguém ejacular. Sentia um lixo humano, mas, em segundos, estaria pronta para sair dali.

Na primeira tragada na lata, o velho de minutos atrás, o suicídio da amiga, o filho em coma acompanhado pelo marido nada daquilo não lhe importava. No fundo ela não queria ficar, apenas usar e usar, acima do bem e do mal, da moral e da razão. Assim desencadeou uma série de usos repetitivos e fez de seu corpo uma oferta para uso.

Quando o sol surgia acabando com a noite, Nazaré sentiu a chance de um novo dia. Sentada na antiga "praça das putas", ficou alí parada debaixo de uma tenda. Exausta ao extremo pelo uso contínuo e frenético e por repetidos programas, Nazaré adormeceu enquanto um novo dia surgia e ela, aos poucos, morria.

-Nazaré?

Alguém tentava despertar a mulher que parecia morta.

-Nazaré?

Quando ela abriu os olhos, viu Gustavo.
Saltou do banco onde dormia e exclamou questionando:

-O que tu fazendo aqui?!

-Hoje é dia de grupo aqui nessa praça.
Respondeu Gustavo.

-Grupo? Que grupo? Quem são essas pessoas? Indagou Nazaré alheiada.

-Somos do T.A, uma irmandade de homens e mulheres cujas vidas foram destruídas pelas drogas. Você não gostaria de participar com a gente?

Só então Nazaré notou como Gustavo estava belo, limpo. Reparou também como os outros que estavam ali tinham rostos de pessoas realizadas, limpas.
Questionou, no íntimo, se era necessário participar daquela reunião. Mais bem fundo ainda uma voz lhe dizia: vai, mulher, vai, mulher.

Nazaré tentou esquivar-se, mas aceitou o café que lhe ofereceram de muito bom grato.

- Nazaré, vamos começar nossa reunião. Gostaria de participar? Indagou Gustavo.

Nazaré fez que sim com a cabeça. Não soube explicar, mas apesar do café, algo mais lhe esquentava a existência.

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