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O dia produtivo animara Jerônimo, Nazaré e o agregado Gustavo. A impressão era que tal garoto se fazia o amuleto de sorte da família.

Quando Nazaré solicitamente comprara a comida do filho enfermo, era como se voltasse a ser mãe. Em meio à miséria, dinheiro nenhum comprava a alegria do filho, nem mesmo a droga da qual era escrava. Cuidar de seu filho significava seu resgatar como mulher, esposa e mãe. Sim, ela havia esquecido disso. Agora, em júbilo, observava o filho devorar a comida comprada pelo seu suor sagrado.

Gustavo e Jerônimo conversaram por olhares e esbarravam na ansiedade de ambos pelo roubo que a poucas horas iria suceder.

Nazaré havia reparado e o instinto de mulher sinalizava que algo estava para acontecer. O dia exaustivo logo fizeram, ela e o filho adormecerem. Era meia-noite quando a catadora deitara ao lado do filho no pequeno colchão, cujo cheiro de urina forte a fazia pensar como foi parar ali.

Gustavo e Jerônimo fingiam dormir nos bancos da praça. Quando notaram que a mulher e o filho dormiam, saíram sorrateiramente juntos rumo ao desconhecido.

"Todo ladrão pensa positivo quando vai roubar, caso contrário não sairian para roubo. É como penetrar nas trevas minadas: a vida e a morte, a liberdade e a prisão eram extensões secundárias do êxito ao fracasso do ladrão". Aquele pensamento de um intelectual francês alentava a práxis perniciosa de Gustavo.

Nas ruas vazias, enquanto amanhecia, o frio na barriga entre eles fermentava ainda mais. De que qualquer maneira, daria certo.

- É um prédio de 4 andares. Explicava Gustavo, enquanto Jerônimo ouvia tudo com atenção.

- Lá não tem porteiro, só um portão com cadeado. Depois que abrir o portão, pulamos a escada. É no segundo andar, apartamento 13. Instruiu Gustavo.

- Certo! Respondeu Jerônimo confiante.

Foram vinte minutos de caminhada até chegar ao prédio. O lugar lúgubre, sujo, mais parecia uma cidade fantasma. Gustavo tirou as chaves. Ao abrir silenciosamente o enorme portão preto, constataram que não havia ninguém. A sujeira nas escadas e corredores, denunciava o desleixo dos próprios moradores. O teto coberto por teias de aranhas, o chão empoeirado e em meio ao descuido havia os sacos de lixos e inúmeros preservativos usados.

- Aqui não perde para a rua, ironizou Jerônimo.

Quando chegaram ao segundo andar, depararam-se com a porta do apartamento n° 13.

- E agora? Indagou Jerônimo suando frio.

- Vamos! Respondeu Gustavo enquanto destrancava a porta.

Quando adentraram era como penetrar num sarcófago. Ambos haviam pulado de sem paraquedas naquele território pavoroso.

Na completa escuridão, perscrutavam o lugara sorrateiramente.

Algo estava errado naquela incursão. Não estavam sozinhos. O que Gustavo não havia dito a Jerônimo era a possível probabilidade de um irmão do preso estar dormindo no apartamento.

- Tem alguém aqui... Sussurrou Jerônimo já arrependido de ter vindo.

Um homem idoso estava deitado. Dormia numa rede armada e roncava em profundo sono.

- Dá um "mata-leão" nele! Murmurou Gustavo.

Jerônimo não hesitou e pulou na rede na qual o homem dormia. Sem sequer dar tempo ao adormecido para se defender da ação inesperada, o pai de João Paulo deu o "mata-leão" no homem enquanto Gustavo segurava firme com o peso do corpo a vítima que se retorcia violentamente. Dois minutos depois e o homem apagou.

- Será que matamos? Indagou Jerônimo.

- Não sei, falou o magro menino que, embora franzino, teve forças para segurar a vítima.

Ambos, em seguida, depois vasculharem cada cômodo, abriram cada gaveta. Longis minutos se arrastavam com uma lentidão doentia.

O fruto do roubo foram cinco mil reais em espécie, dois relógios de pulsos em aço e uma aliança de ouro. Saíram como entraram: silenciosamente.

Caminharam, quase correndo. Num ponto do caminho, pararam e dividiram o roubo. Gustavo seguiu um caminho oposto.

- Até outro dia, Jerônimo. Abraços no João Paulo.

Jerônimo não respondeu, seguiu ao encontro da família. Para o ladrão o que importava não era apenas o êxito do roubo, mas a fuga era fator essêncial no depois.

Os passos largos lhe causavam a sensação que não  chegaria a lugar nenhum. Não havia pensado no depois, não era esperto como o cúmplice que estaria em lugar seguro e não a deriva como ele.

Ao deparar-se com a mulher e o filho, disparou-lhe o coração. Queria beijar os dois, mas há muito perdera a delicadeza de qualquer sentimento mais nobre.

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