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Sete dias, extraordinariamente sete dias. Quem diria que era possível? Não, ninguém e nem a própria família e nem Tiffany e nem o próprio João Paulo. Sim, sete dias, extraordinariamente.

Quando espontaneamente decidiram que parariam de usar, nasceu o real desejo. Era essencialmente necessário, porém difícil, entretanto está sendo possível o impossível.

Jerônimo inquieto e taciturno, Nazaré afundado no complexo de limpeza da casa, como se assim desesperadamente limpasse a alma e o passado das coisas.

Já Tiffany não dormia, não cessava de se policiar. Todos naquela casa mastigavam o desejo do uso em seus próprios silêncios. Era o segredo que morria no segredo que em si se revelava na ansiedade extrema.

No quarto dia não era mais possível carregar o choro e esconder as mãos trêmulas a fumar o cigarro mais barato do mercado. Quando finalmente nasceu o sétimo dia, todos ali estavam vencidos de si mesmos.

Nazaré gritava e brigava por qualquer coisa ou de alguma sujeira na casa.

Todos estavam no limite, todos os dias pareciam não ter fim. A insônia atordoava a todos de maneira atroz. A casa era um sanatório sem médicos. As horas se arrastavam. O mundo parou, estagnou porque as horas marcadas moviam-se pausadamente e os deteriorados dentes da engrenagem do relógio pareciam girar no sentindo anti-horário.

O relógio, então, era o tempo que parou no tempo determinado pela manhã, tarde e noite.

Os céus eram os ponteiros que indicavam o fuso horário confuso pela qual a casa era governada.

A beatitude só vinha pelos primeiros raios de sol da manhã. João Paulo assim como o pai, como a mãe e como Tiffany, desejavam voltar ao útero das coisas. Apagar o que já fora vivido e matar o que deveria ser esquecido, afogar o desejo destruidor do uso onde um é pouco e mil não é o bastante.

O que sucedeu que naquela madrugada, extraordinariamente no sétimo dia, foi que João Paulo, embriagado de si e devorado de vontade, cuja abstinência gritante lhe devora as vísceras, simplesmente resolveu sair enquanto todos dormiam vitoriosos.

As ruas sempre seriam a casa que nunca o abandonaria. Eram três da manhã quando encontrou a si diante do enorme relógio no coração ferido do centro da cidade.

- Minha casa? Meditou. Não!

Era uma luta, uma guerra sem vencedores, porém desistiu de lutar e vendeu o corpo por tão pouco ao primeiro que trombou naquela passagem dolorosa que era sua vida.

- Seria Deus ou o Diabo que colocou aquele homem a sua espreita? Assim pensou, como se aquilo já estivesse predestinado para ele.

Quando deu por si, o homem estava ajoelhado diante do menino que, no íntimo, sentia medo, não do homem ajoelhado em sua frente, mas do monstro que estava a ser despertado.

Quando o homem terminou de fazer o sexo oral no garoto, jogou ao chão cinco reais justamente no qual estava escrito à caneta "Deus proverá".

Era sexta-feira, dizia o homem. Ele estava em um cinemão quando desejou ir embora e perambular pelo centro em busca do perigoso fetiche que lhe jogava ao excitante desejo de fazer oral em garotos de ruas, flanelinhas, viciados, pedintes, era esse tal fetiche. Quando de repente cruzou com o garoto.

Nem uma palavra, cinco reais e o prazer por tão pouco estava feito.

Acontece que quando acabou e o dinheiro foi jogado como quem joga comida na jaula de um animal foi que João Paulo notou que estava sendo roubado, exato, roubado em sua dignidade, em sua moral, em seus valores.

Tudo foi esquecido quando deu a primeira tragada na lata. Estava feito. O extraordinário sétimo dia acabou, agora estava tudo consumado.

Mas João Paulo esqueceu que da morte Alguém, ao terceiro dia, haveria de ressuscitar.

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