27

6 1 0
                                        

Em uma conversa monossílabica, os olhos diziam mais que qualquer línguagem. Certas palavras não ditas se faziam expressar pelos olhos de ambos. De fato, Jerônimo sabia o que outrora a mulher fez enquanto ele cuidava do filho. Notou, entretanto, um certo brilho que ha décadas não via na mulher: um brilho, não de desespero, mas de esperança e paz. Redenção, ela dizia sem dizer nada.

O marido não conseguia nutrir ódio ou indiferença, apenas considerava que em seus olhos existia a luz da qual a própria familia não alcançara. 

Sentados no banco para trocas, Nazaré deu a Jerônimo uma folha que continha uma lista de grupos e horários.  Nazaré explicou, com lágrimas nos olhos, sobre a irmandade que acabara de conhecer. Falou que existiam pessoas que passaram por tantas dificuldades e que a superaram ficando limpas dentro da programação dos 12 passos e de um Poder Superior amantíssimo. 

O marido ouvia tudo em silêncio.  Depois de escutar tudo que foi falado por ela, beijou-a em seguida. Abraçou-a tão forte que lhe faltou ar deixando -a suspensa. Algo lhe dizia que ele não voltaria nunca mais, que não teria Jerônimo outra vez.

Jerônimo caminhou até  o filho, beijou-o na testa . Logo depois, dirigiu-se em direção à mulher, a sua mulher Nazaré, com quem viveu tantas misérias, fome e perigos. Ele dizia adeus para sempre para mulher, para o filho, para vida, para o mundo. De olhos lacrimosos, não disse sequer adeus.

- Vou comprar cigarros, disse Jerônimo sem encará-la.

- Até depois, então, replicou Nazaré.

Ele não voltaria, nada seria como antes, mas ela teria que seguir. Só por hoje não usaria, suportaria a imensurável dor de não fazera uso. Suportaria tudo,  ainda que em pedaços, mas jamais olharia para trás, jamais.

A Sagrada FamíliaOnde histórias criam vida. Descubra agora